São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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Acordo possível

A radicalização na Bolívia enterrou uma década de cooperação energética com o Brasil e pôs fim a um projeto estratégico

DADOS O GRAU de radicalismo e a ausência de racionalidade econômica do governo de Evo Morales, o acordo fechado pela Petrobras para a venda de suas duas refinarias na Bolívia pode ser visto como aceitável, desde que seus termos venham a ser cumpridos pelo país vizinho.
A estatal brasileira obteve US$ 112 milhões, valor inferior aos US$ 136 milhões que diz ter despendido na compra e em investimentos nas refinarias, mas bem superior aos US$ 65 milhões pretendidos por Morales.
Porém, mais do que considerações contábeis, a experiência da Petrobras na Bolívia deixa lições valiosas para a política externa do governo Lula.
A primeira delas é a de que simpatias ideológicas não devem determinar atos de política externa. Morales pode ser radical ou irracional, mas não é imprevisível. Todas as ações que praticou desde a posse, em 2006, foram antecipados em seus discursos e palavras de ordem.
O governo brasileiro não escutou porque não quis. Ou, se escutou, julgou que os laços de amizade e identidade ideológica entre Lula e Morales poupariam o Brasil dos arroubos da nova gestão.
A invasão das instalações da Petrobras pelo Exército boliviano, no 1º de Maio de 2006, mostrou o equívoco dessa posição.
Desde o início, o governo brasileiro careceu de uma atitude mais assertiva na defesa dos interesses nacionais e preferiu o caminho da contemporização. O tom só mudou quando a Bolívia ameaçou expropriar as refinarias da Petrobras.
A outra lição diz respeito a futuros investimentos na Bolívia. A eleição de Morales e, antes dela, a aprovação da nacionalização em plebiscito, deixaram clara a profunda desconfiança existente na sociedade boliviana em relação ao capital externo.
As "transnacionales chupasangre" têm sido alvo das principais manifestações populares no país. Com a estatização, Morales buscou atender aos anseios de seu público e não há nenhuma indicação de mudança de ventos.
Nesse cenário, é altamente desaconselhável a realização de novos investimentos por parte da Petrobras, com exceção daqueles necessários à manutenção das atividades de exploração e transporte de gás, do qual, infelizmente, o Brasil depende.
A radicalização da Bolívia enterrou uma década de cooperação energética entre os dois países e pôs fim a um projeto estratégico que trazia benefícios mútuos. O gasoduto Brasil-Bolíva, inaugurado em 1999, criou um mercado até então inexistente para o gás boliviano e permitiu que o Brasil começasse a diversificar sua matriz energética.
Resta agora ao Brasil minimizar as perdas e exigir o cumprimento leal do acordo de venda das refinarias da Petrobras.


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