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Acordo possível
A radicalização na Bolívia enterrou uma década de cooperação energética com o Brasil e pôs fim a um projeto estratégico
DADOS O GRAU de radicalismo e a ausência de
racionalidade econômica do governo de
Evo Morales, o acordo fechado
pela Petrobras para a venda de
suas duas refinarias na Bolívia
pode ser visto como aceitável,
desde que seus termos venham a
ser cumpridos pelo país vizinho.
A estatal brasileira obteve
US$ 112 milhões, valor inferior
aos US$ 136 milhões que diz ter
despendido na compra e em investimentos nas refinarias, mas
bem superior aos US$ 65 milhões pretendidos por Morales.
Porém, mais do que considerações contábeis, a experiência da
Petrobras na Bolívia deixa lições
valiosas para a política externa
do governo Lula.
A primeira delas é a de que
simpatias ideológicas não devem
determinar atos de política externa. Morales pode ser radical
ou irracional, mas não é imprevisível. Todas as ações que praticou desde a posse, em 2006, foram antecipados em seus discursos e palavras de ordem.
O governo brasileiro não escutou porque não quis. Ou, se escutou, julgou que os laços de amizade e identidade ideológica entre
Lula e Morales poupariam o Brasil dos arroubos da nova gestão.
A invasão das instalações da
Petrobras pelo Exército boliviano, no 1º de Maio de 2006, mostrou o equívoco dessa posição.
Desde o início, o governo brasileiro careceu de uma atitude
mais assertiva na defesa dos interesses nacionais e preferiu o
caminho da contemporização. O
tom só mudou quando a Bolívia
ameaçou expropriar as refinarias da Petrobras.
A outra lição diz respeito a futuros investimentos na Bolívia.
A eleição de Morales e, antes dela, a aprovação da nacionalização
em plebiscito, deixaram clara a
profunda desconfiança existente
na sociedade boliviana em relação ao capital externo.
As "transnacionales chupasangre" têm sido alvo das principais
manifestações populares no
país. Com a estatização, Morales
buscou atender aos anseios de
seu público e não há nenhuma
indicação de mudança de ventos.
Nesse cenário, é altamente desaconselhável a realização de novos investimentos por parte da
Petrobras, com exceção daqueles
necessários à manutenção das
atividades de exploração e transporte de gás, do qual, infelizmente, o Brasil depende.
A radicalização da Bolívia enterrou uma década de cooperação energética entre os dois países e pôs fim a um projeto estratégico que trazia benefícios mútuos. O gasoduto Brasil-Bolíva,
inaugurado em 1999, criou um
mercado até então inexistente
para o gás boliviano e permitiu
que o Brasil começasse a diversificar sua matriz energética.
Resta agora ao Brasil minimizar as perdas e exigir o cumprimento leal do acordo de venda
das refinarias da Petrobras.
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