São Paulo, terça-feira, 15 de maio de 2007

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CLÓVIS ROSSI

O papa e a fuga do mundo

PARIS - Assumo o risco de discordar de Fernando de Barros e Silva, que melhora a qualidade deste espaço ao ocupá-lo às segundas-feiras. Para ele, "o sofisticado Ratzinger empurra a igreja para as trevas". Pode ser até pior que isso, Fernando. O papa empurra os fiéis para o vazio.
Tome-se, por exemplo, a condenação ecumênica no domingo a capitalismo e comunismo. E daí? Primeiro, convém lembrar que idêntica condenação já figurava na encíclica "Rerum Novarum", do papa Leão 13, emitida em 1891, ou seja, faz mais de um século.
Como comunismo e capitalismo, com matizes aqui e ali, foram os dois únicos modelos de organizar a economia e a sociedade que o mundo inventou pelo menos desde o século passado, como faremos os católicos para viver no mundo? Ficaremos nas igrejas rezando à espera de que surja um novo Messias e nos aponte o caminho?
Ah, não é papel da igreja fazer escolhas políticas? Que não seja, mas não dá para o católico viver de costas para o mundo em que está imerso inexoravelmente. Imaginar que apenas um comportamento individual -cristão e impecável- resolve os problemas é cair na ingenuidade de outra fala do papa, a saber: "Digo aos que comercializam a droga que pensem no mal que estão provocando a uma multidão de jovens e de adultos de todos os segmentos da sociedade: Deus vai-lhes exigir satisfações".
Alguém acredita realmente que basta fazer essa peroração aos traficantes para que eles abandonem o tráfico e demais atividades criminosas que estão a ele inexoravelmente associadas? Não me parece francamente uma atitude cristã pedir que os cidadãos dêem de ombros ao ver toda a colossal violência que assola não só o Brasil, para esperar que Deus exija "satisfações" dos criminosos.
Fugir do mundo real é cômodo, mas não o modifica.


crossi@uol.com.br

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