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CLÓVIS ROSSI
O papa e a fuga do mundo
PARIS - Assumo o risco de discordar de Fernando de Barros e Silva,
que melhora a qualidade deste espaço ao ocupá-lo às segundas-feiras. Para ele, "o sofisticado Ratzinger empurra a igreja para as trevas".
Pode ser até pior que isso, Fernando. O papa empurra os fiéis para
o vazio.
Tome-se, por exemplo, a condenação ecumênica no domingo a capitalismo e comunismo. E daí? Primeiro, convém lembrar que idêntica condenação já figurava na encíclica "Rerum Novarum", do papa
Leão 13, emitida em 1891, ou seja,
faz mais de um século.
Como comunismo e capitalismo,
com matizes aqui e ali, foram os
dois únicos modelos de organizar a
economia e a sociedade que o mundo inventou pelo menos desde o século passado, como faremos os católicos para viver no mundo? Ficaremos nas igrejas rezando à espera
de que surja um novo Messias e nos
aponte o caminho?
Ah, não é papel da igreja fazer escolhas políticas? Que não seja, mas
não dá para o católico viver de costas para o mundo em que está imerso inexoravelmente.
Imaginar que apenas um comportamento individual -cristão e
impecável- resolve os problemas é
cair na ingenuidade de outra fala do
papa, a saber: "Digo aos que comercializam a droga que pensem no
mal que estão provocando a uma
multidão de jovens e de adultos de
todos os segmentos da sociedade:
Deus vai-lhes exigir satisfações".
Alguém acredita realmente que
basta fazer essa peroração aos traficantes para que eles abandonem o
tráfico e demais atividades criminosas que estão a ele inexoravelmente associadas?
Não me parece francamente uma
atitude cristã pedir que os cidadãos
dêem de ombros ao ver toda a colossal violência que assola não só o
Brasil, para esperar que Deus exija
"satisfações" dos criminosos.
Fugir do mundo real é cômodo,
mas não o modifica.
crossi@uol.com.br
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