São Paulo, quinta-feira, 15 de maio de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Liberdade de imprensa não precisa de lei

MICHEL TEMER

A Constituição já fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa. Não há razão para uma lei menor se a maior já fixou as regras

GERALDO ATALIBA dizia para seus alunos que, no Brasil, há grande desprezo pelos preceitos da Constituição Federal. Contava: se a norma está na Constituição, não se lhe dá atenção; se na lei ordinária, começa-se a olhá-la; se na portaria (que, na origem, é ordem do porteiro), já se lhe presta grande reverência; entretanto, se for telefonema de ministro, ninguém desobedecerá. O tempo da história era o do regime autoritário. Ocorre que, hoje, muitas e muitas vezes é assim. Quase ninguém pergunta, quando se quer praticar um ato, "o que é que diz o livrinho", como perguntava o ex-presidente Dutra. O "livrinho" era a Constituição de 1946.
Por isso, é louvável a iniciativa do deputado Miro Teixeira (PDT-RJ), que foi buscar na Constituição todas as regras referentes à liberdade de imprensa para sustentar a desnecessidade de sua regulamentação. Examinou as Constituições brasileiras desde 1891, mostrando que, em todas, as liberdades de imprensa, de expressão e de comunicação eram normas de eficácia redutível, já que poderiam ver diminuído o seu alcance por meio de lei reguladora.
Já na Constituição em vigor, não. O seu artigo 220 determina que a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto na Constituição. Aliás, ao referir-se à lei, no parágrafo 1º do artigo 220, impõe-lhe limites, dizendo que não poderá conter dispositivo embaraçador da plena liberdade de informação jornalística. Acrescenta no parágrafo 2º a vedação a qualquer espécie de censura.
Portanto, a lei não poderá restringir o que está na Constituição. A liberdade de imprensa é plena e irrestringível por lei infraconstitucional. Acrescenta Miro Teixeira que, em se tratando de autoridade pública, não há que falar em calúnia. Seriam incaluniáveis pela imprensa aqueles que exercem função pública. Em conseqüência, não seriam indenizáveis por dano material, moral ou à imagem. Talvez nem tivessem o direito a resposta. Somente aos particulares se aplicaria tal direito.
Aqui, sirvo-me do mesmo argumento segundo o qual tudo está na Constituição para registrar que o artigo 220, parágrafo 1º, se reporta ao artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, definidor dos direitos individuais e coletivos. É neles que se asseguram o direito de resposta e a indenização por dano material, moral ou à imagem.
Reitero que a menção a tais direitos é feita no mesmo preceito garantidor da liberdade de imprensa. Ao tratar desses direitos, a Constituição não faz nenhuma distinção entre os ocupantes de funções de Estado e os particulares. Ao contrário, a generalidade é a marca da descrição dos direitos individuais e coletivos (CF, artigo 5º).
É claro que será preciso analisar caso a caso para verificar se houve má-fé do noticiante ou irresponsável divulgação do fato. A revelação de um fato tipifica a atividade noticiosa da imprensa. Uma coisa é revelá-lo tal como veio à luz; outra é dar-lhe o matiz da certeza e do prejulgamento antecipado. Não é incomum que o fato noticiado se converta em objeto de comentários de colunistas, muitas vezes tomando posições em relação a ele.
Poderá haver maior agravo moral do que a imagem maculada de um homem público que, no decorrer do noticiário, se revela inocente? Não é sem razão que a imprensa já tem cuidado de, em seus quadros, incluir analistas jurídicos que pré-examinam as conseqüências de uma notícia.
O nosso sistema republicano é baseado no princípio da responsabilidade. Ou seja: todos, sem exceção, respondem pelos seus atos. Finalmente, entendo que se deva combater o argumento de que a lei é necessária para fixar limites indenizatórios, como registrou o notável jurista Saulo Ramos ("Nova lei de imprensa, com urgência",
"Tendências/Debates", 9/5). Não vislumbro tal necessidade. A dosimetria da pena para o direito de resposta e a quantia indenizatória serão fixadas pelo juiz que avaliará o tamanho (se houver) do dano moral ou à imagem. A sentença será recorrível em várias instâncias até que se produza a decisão final. Por isso é que há vários graus de jurisdição. Se o juiz de primeiro grau exagerar nos valores, os tribunais superiores dosarão adequadamente a pena pecuniária.
Em conclusão: a Constituição já fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa, a impossibilidade de censura prévia e, como resultante, as conseqüências de um agravo à imagem do noticiado. Não há razão para uma lei menor se a lei maior já estabeleceu as regras. Basta aplicá-la.


MICHEL TEMER, 67, advogado e professor de direito constitucional da PUC-SP, é deputado federal (PMDB-SP) e presidente nacional do seu partido. Foi presidente da Câmara dos Deputados e secretário da Segurança Pública (governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão Fleury) do Estado de São Paulo.

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