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TENDÊNCIAS/DEBATES
Liberdade de imprensa não precisa de lei
MICHEL TEMER
A Constituição já fixa todos os critérios para assegurar a liberdade de imprensa. Não há razão para uma lei menor se a maior já fixou as regras
GERALDO ATALIBA dizia para
seus alunos que, no Brasil, há
grande desprezo pelos preceitos da Constituição Federal. Contava:
se a norma está na Constituição, não
se lhe dá atenção; se na lei ordinária,
começa-se a olhá-la; se na portaria
(que, na origem, é ordem do porteiro),
já se lhe presta grande reverência; entretanto, se for telefonema de ministro, ninguém desobedecerá. O tempo
da história era o do regime autoritário. Ocorre que, hoje, muitas e muitas
vezes é assim. Quase ninguém pergunta, quando se quer praticar um
ato, "o que é que diz o livrinho", como
perguntava o ex-presidente Dutra. O
"livrinho" era a Constituição de 1946.
Por isso, é louvável a iniciativa do
deputado Miro Teixeira (PDT-RJ),
que foi buscar na Constituição todas
as regras referentes à liberdade de
imprensa para sustentar a desnecessidade de sua regulamentação.
Examinou as Constituições brasileiras desde 1891, mostrando que, em
todas, as liberdades de imprensa, de
expressão e de comunicação eram
normas de eficácia redutível, já que
poderiam ver diminuído o seu alcance por meio de lei reguladora.
Já na Constituição em vigor, não. O
seu artigo 220 determina que a manifestação de pensamento, a criação, a
expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não
sofrerão nenhuma restrição, observado o disposto na Constituição.
Aliás, ao referir-se à lei, no parágrafo 1º do artigo 220, impõe-lhe limites,
dizendo que não poderá conter dispositivo embaraçador da plena liberdade de informação jornalística. Acrescenta no parágrafo 2º a vedação a
qualquer espécie de censura.
Portanto, a lei não poderá restringir o que está na Constituição. A liberdade de imprensa é plena e irrestringível por lei infraconstitucional.
Acrescenta Miro Teixeira que, em
se tratando de autoridade pública,
não há que falar em calúnia. Seriam
incaluniáveis pela imprensa aqueles
que exercem função pública. Em conseqüência, não seriam indenizáveis
por dano material, moral ou à imagem. Talvez nem tivessem o direito a
resposta. Somente aos particulares se
aplicaria tal direito.
Aqui, sirvo-me do mesmo argumento segundo o qual tudo está na
Constituição para registrar que o artigo 220, parágrafo 1º, se reporta ao artigo 5º, incisos IV, V, X, XIII e XIV, definidor dos direitos individuais e coletivos. É neles que se asseguram o direito de resposta e a indenização por
dano material, moral ou à imagem.
Reitero que a menção a tais direitos
é feita no mesmo preceito garantidor
da liberdade de imprensa. Ao tratar
desses direitos, a Constituição não faz
nenhuma distinção entre os ocupantes de funções de Estado e os particulares. Ao contrário, a generalidade é a
marca da descrição dos direitos individuais e coletivos (CF, artigo 5º).
É claro que será preciso analisar caso a caso para verificar se houve má-fé
do noticiante ou irresponsável divulgação do fato. A revelação de um fato
tipifica a atividade noticiosa da imprensa. Uma coisa é revelá-lo tal como veio à luz; outra é dar-lhe o matiz
da certeza e do prejulgamento antecipado. Não é incomum que o fato noticiado se converta em objeto de comentários de colunistas, muitas vezes
tomando posições em relação a ele.
Poderá haver maior agravo moral
do que a imagem maculada de um homem público que, no decorrer do noticiário, se revela inocente? Não é sem
razão que a imprensa já tem cuidado
de, em seus quadros, incluir analistas
jurídicos que pré-examinam as conseqüências de uma notícia.
O nosso sistema republicano é baseado no princípio da responsabilidade. Ou seja: todos, sem exceção, respondem pelos seus atos.
Finalmente, entendo que se deva
combater o argumento de que a lei é
necessária para fixar limites indenizatórios, como registrou o notável jurista Saulo Ramos ("Nova lei de imprensa, com urgência",
"Tendências/Debates", 9/5). Não vislumbro
tal necessidade.
A dosimetria da pena para o direito
de resposta e a quantia indenizatória
serão fixadas pelo juiz que avaliará o
tamanho (se houver) do dano moral
ou à imagem. A sentença será recorrível em várias instâncias até que se
produza a decisão final. Por isso é que
há vários graus de jurisdição. Se o juiz
de primeiro grau exagerar nos valores, os tribunais superiores dosarão
adequadamente a pena pecuniária.
Em conclusão: a Constituição já fixa todos os critérios para assegurar a
liberdade de imprensa, a impossibilidade de censura prévia e, como resultante, as conseqüências de um agravo
à imagem do noticiado. Não há razão
para uma lei menor se a lei maior já
estabeleceu as regras. Basta aplicá-la.
MICHEL TEMER, 67, advogado e professor de direito
constitucional da PUC-SP, é deputado federal (PMDB-SP)
e presidente nacional do seu partido. Foi presidente da Câmara dos Deputados e secretário da Segurança Pública
(governos Montoro e Fleury) e de Governo (gestão
Fleury) do Estado de São Paulo.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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