São Paulo, sexta-feira, 15 de maio de 2009

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Em defesa das ideias

PEDRO VIEIRA ABRAMOVAY e FELIPE DE PAULA


Uma alternativa que busque reforçar a disputa ideológica, em defesa de programas, só beneficia o Brasil. Que essas ideias sejam expostas


A REFORMA política voltou com força ao cenário nacional. Impulsionados pela proposta governamental e pelos recentes escândalos que assolam o Congresso, os parlamentares têm assumido a responsabilidade do debate e indicado, em posição condizente com o defendido no projeto do governo, apoio às ideias de lista partidária fechada e bloqueada e de financiamento público exclusivo de campanhas. Tais mudanças não alteram por completo a estrutura político-partidária e o sistema eleitoral brasileiros: há outros temas, como proibição de coligações em eleições proporcionais ou tipificação da captação ilícita de sufrágio, que mereceriam atenção. No entanto, está lá o cerne da alternativa que muitos políticos, acadêmicos e representantes da sociedade civil defendem. Por esse motivo, parece importante esclarecer algumas manifestações, como a desta Folha, no editorial de 7/5, que apontaram suas armas para a proposta de lista fechada em eleição proporcional. Segundo a Folha, a "lei dos descarados" impediria que o eleitor escolhesse nominalmente seus candidatos, tirando o candidato do julgamento do eleitor. Aceitando, pois, o desafio posto ("É de duvidar que até mesmo os maiores entusiastas da proposta possam sustentá-la, num debate cara a cara"), é nosso papel alertar para alguns equívocos cometidos. O posicionamento da Folha revela profundo desconhecimento do tema e evidente falta de sensibilidade aos anseios do país. Ao afirmar que o eleitor tem, como arma democrática, o voto em determinado candidato, a Folha parece esquecer que o sistema atual de eleições é, sim, um sistema de listas partidárias. Um sistema em que o voto, dado nominalmente a algum candidato, acaba por eleger outros candidatos -muitos dos quais nem sequer conhecidos pelo próprio eleitor ou pertencentes a partido diferente daquele para quem o voto foi dado. Trata-se de verdadeira fraude eleitoral velada, que permeia nosso sistema de votação e passa incólume aos olhos da grande mídia. A maioria absoluta dos votos acaba por eleger pessoas diferentes daquelas escolhidas pelo eleitor. Defender a manutenção de um sistema em que o eleitor efetivamente não sabe quem elege, como se democrático fosse, passa dos limites da razoabilidade. Ao contrário do que aponta a Folha, a votação por listas partidárias fechadas obriga o eleitor a conhecer os candidatos de determinado partido de uma só vez. Ao publicizar todos os nomes que concorrem por uma legenda e ao vinculá-los em torno de linhas programáticas comuns, o eleitor tem a sua frente uma escolha efetiva, baseada não no nominalismo personalista, mas no projeto político que se pretende representante da sociedade. Ganha o eleitor, que saberá rigorosamente em quem vota e quem elege; ganha a democracia brasileira, com o reforço ideológico do debate partidário, maior transparência intrapartidária e incremento do controle social dos candidatos (expostos a todo o público, não só a seus currais eleitorais). A mesma linha de raciocínio vale para o tema do financiamento público de campanhas. Defender que ele significa dar mais recursos para políticos que não contam com a credibilidade da sociedade é fechar os olhos para o vergonhoso processo de financiamento corrente, que necessariamente vincula candidatos a financiadores. Os custos do sistema atual de financiamento são muito maiores para o erário -quer pelas brechas à corrupção, quer pelos direcionamentos e ineficiências assumidos pelos eleitos em troca de viabilização eleitoral. Faltou à Folha sensibilidade para perceber que a sucessão de escândalos da última década não surgiu por geração espontânea. O sistema político-partidário vigente contribui, e muito, para a situação de descrença com a classe política e para as fronteiras pouco nítidas que alguns políticos traçam entre público e privado. Faltou à Folha sensibilidade para perceber a urgência de uma reforma que hoje, indubitavelmente, é central para o aperfeiçoamento de nosso modelo democrático. Um Congresso enfraquecido não agrada a ninguém -nem aos congressistas, nem ao governo, nem à sociedade brasileira. Uma alternativa que pretenda reforçar a disputa ideológica, em defesa de programas, só beneficia o Brasil. Que essas ideias sejam expostas a público, portanto, com a clareza e a correção que merecem.


PEDRO VIEIRA ABRAMOVAY , 29, advogado, é secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça. FELIPE DE PAULA , 26, advogado e gestor público, é assessor do secretário de Assuntos Legislativos.

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