São Paulo, quinta-feira, 15 de junho de 2000


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CARLOS HEITOR CONY

O crime é bonito

RIO DE JANEIRO - Não faz muito tempo, creio que em 1997, por generosidade de amigos, fui presidente de um júri do Festival de Cinema, em Natal. Andava, como ando habitualmente, desinformado sobre as qualidades e defeitos do nosso cinema, mesmo assim fiquei assombrado ao ver que, entre os 10 ou 12 filmes inscritos, todos, todos sem exceção, eram violentos.
Dois deles eram explicitamente sobre o cangaço. A favor do cangaço. A tese dessa corrente cinematográfica é conhecida e bastante discutível: o cangaço foi um movimento contra a injustiça social, o coronelismo, o banditismo do poder formal.
O grupo de Lampião, o mais famoso e o mais glorificado, combateu a Coluna Prestes, que pretendia lutar contra a mesma injustiça social. Nesses dois filmes, havia uma cena comum e captada do mesmo modo: o cangaceiro sangra uma vítima e o sangue espirra nos óculos do assassino.
Cenas tão comoventes são repetidas e louvadas pelos críticos e especialistas. Banaliza-se a violência, glamouriza-se o crime -e a hedionda espiral da força primária e bruta continua fazendo vítimas.
O caso desta semana, espetacularizado pela mídia, ampliado pelo aparecimento extraordinário do presidente da República na TV, mais cedo ou mais tarde dará samba, ou seja, aparecerá em livro, filme ou caso especial no horário nobre. Dois jovens, duas vítimas -afinal, o sequestrador também foi assassinado pela polícia.
Qualquer roteirista, desocupado ou não, pode extrair da tragédia uma história de amor, contestação e -como de hábito- cenas de violência e de sexo.
O que mais me indignou no caso da rua Jardim Botânico foi o "replay", a monotonia das causas e efeitos da violência urbana. Nada de novo: o rapaz drogado e armado, a sociedade indefesa, a polícia incompetente. Amanhã, na minha crônica da Ilustrada, voltarei ao assunto.



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