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CARLOS HEITOR CONY
O crime é bonito
RIO DE JANEIRO - Não faz muito tempo, creio que em 1997, por generosidade de amigos, fui presidente de
um júri do Festival de Cinema, em
Natal. Andava, como ando habitualmente, desinformado sobre as qualidades e defeitos do nosso cinema,
mesmo assim fiquei assombrado ao
ver que, entre os 10 ou 12 filmes inscritos, todos, todos sem exceção, eram
violentos.
Dois deles eram explicitamente sobre o cangaço. A favor do cangaço. A
tese dessa corrente cinematográfica é
conhecida e bastante discutível: o
cangaço foi um movimento contra a
injustiça social, o coronelismo, o banditismo do poder formal.
O grupo de Lampião, o mais famoso e o mais glorificado, combateu a
Coluna Prestes, que pretendia lutar
contra a mesma injustiça social. Nesses dois filmes, havia uma cena comum e captada do mesmo modo: o
cangaceiro sangra uma vítima e o
sangue espirra nos óculos do assassino.
Cenas tão comoventes são repetidas
e louvadas pelos críticos e especialistas. Banaliza-se a violência, glamouriza-se o crime -e a hedionda espiral da força primária e bruta continua fazendo vítimas.
O caso desta semana, espetacularizado pela mídia, ampliado pelo aparecimento extraordinário do presidente da República na TV, mais cedo
ou mais tarde dará samba, ou seja,
aparecerá em livro, filme ou caso especial no horário nobre. Dois jovens,
duas vítimas -afinal, o sequestrador também foi assassinado pela polícia.
Qualquer roteirista, desocupado ou
não, pode extrair da tragédia uma
história de amor, contestação e -como de hábito- cenas de violência e
de sexo.
O que mais me indignou no caso da
rua Jardim Botânico foi o "replay", a
monotonia das causas e efeitos da
violência urbana. Nada de novo: o
rapaz drogado e armado, a sociedade
indefesa, a polícia incompetente.
Amanhã, na minha crônica da Ilustrada, voltarei ao assunto.
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