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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
O que aconteceu
com o neoliberalismo?
Escorraçado de quase toda a
parte, o neoliberalismo refugiou-se no Brasil. Como doutrina para os
outros -os subdesenvolvidos-, a
proposta neoliberal sobrevive hoje em
quatro redutos: economistas, formados nos Estados Unidos nas últimas
décadas do século passado, que estudaram o desenvolvimento como mero campo de aplicação das idéias reinantes em economia; o setor do governo americano que ensina a outros
países o que fazer, ajudado por seus
agregados no FMI e no Banco Mundial; os meios financeiros de elite; e a
imprensa internacional de negócios.
A essência da doutrina neoliberal foi
e é a identificação arbitrária de uma
idéia abstrata -a superioridade da
economia de mercado- com uma
fórmula institucional concreta -a
necessidade, para os países atrasados,
de adotar as instituições dos países ricos do Atlântico norte, sobretudo em
sua vertente americana. A estabilização monetária e a prudência fiscal seriam meros precursores da indispensável convergência institucional. Daí a
importância dada à agenda descrita
como "microeconômica": por exemplo, organizar mercados de trabalho e
de capital tão parecidos quanto possível com os mercados dos Estados Unidos. Caberia à política social a tarefa
residual e compensatória de cuidar
dos pobres, construindo "redes de
proteção social".
O mundo repudiou esse ideário. Repudiou sem ainda ser capaz de demarcar, em termos universais, uma alternativa. Repudiou em favor de uma série de dissidências nacionais. Essas heresias que deram certo têm certos traços em comum: inovar na maneira de
produzir e de organizar-se, resguardando, porém, a produção existente;
associar o Estado com a iniciativa privada da forma mais descentralizada e
menos corrupta possível para poder
superar as inibições do atraso; e, uma
vez acalentada a febre empreendedora, impor a ela duas disciplinas -a radicalização da concorrência e a democratização das oportunidades. Tudo
muito mais parecido com o que os
americanos fizeram em sua própria
história do que é o neoliberalismo.
O projeto neoliberal malogrou na
região que o adotou com mais fervor
-a América Latina. Só o Chile -país
pequeno, dependente de exportações
primárias e pronto a praticar algumas
heresias pontuais- escapou ao fracasso geral, embora à custa de desigualdade crescente. Fatal para os principais países latino-americanos foi a
combinação de dois constrangimentos festejados como virtudes pelo neoliberalismo: deixar de mobilizar recursos nacionais que lhes permitissem
não depender de dinheiro de fora e
deixar de cultivar idéias rebeldes que
lhes mostrassem como divergir da
cartilha dos que querem mandar no
mundo.
Aí está a história do Brasil de hoje
-caldeirão reduzido a marasmo, governado no regime tucano-petista por
gente que junta a covardia com a falta
de imaginação. Para sair disso, é preciso mudar, ao mesmo tempo, o poder e
as idéias. Quem disser que sabe como
reunir hoje os recursos humanos, materiais e partidários exigidos por essa
campanha transformadora estará
mentindo. Ninguém ainda sabe como. Cada dia, entretanto, aumenta o
número dos que procuram descobrir.
Hoje, a vitória desses inconformados,
ainda dispersos, pode parecer impossível. Não tardará o momento em que
ela começará a parecer inevitável.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu/unger
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