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CLÓVIS ROSSI
As bestas e o espetáculo
SÃO PAULO - Das duas críticas em
24 horas à mídia, fico com a de Tony
Blair, que obriga a pensar. A de Luiz
Inácio Lula da Silva é pobre. O presidente acha que as pessoas podem
não sair de casa porque a mídia fala
de balas perdidas. Tolice. Se eventualmente não saem, é porque há
balas perdidas na vida real, e não
apenas no noticiário.
Blair, aliás, incorre em erro parecido. Diz que a concorrência feroz
entre os meios de comunicação (velhos e novos) transformou os jornalistas em "bestas selvagens", que
vão à caça e, no percurso, destroem
reputações.
Primeiro, a generalização é infeliz, como quase toda generalização.
Segundo, em 95% dos casos, grosso
modo, reputações foram destruídas, no mundo inteiro, não porque a
mídia foi à caça, mas porque os caçados cometeram irregularidades
de vários calibres. O próprio Blair,
por exemplo, mentiu sistematicamente sobre o Iraque para justificar
a guerra, e, por isso, sua reputação
foi ao solo.
Quebrar o espelho (a mídia) não
muda a realidade (as mentiras ou as
balas perdidas).
De todo modo, os "quality papers" deveriam prestar atenção ao
fulcro da crítica, qual seja, o de que a
competição feroz está provocando
perda de valores no jornalismo (não
só no jornalismo, mas o espaço não
permite ir além dele).
De fato, o mundo moderno transformou-se no que o escritor peruano Mário Vargas Llosa chama de
"sociedade do espetáculo".
Se a sociedade quer espetáculo,
os jornalistas lhe damos espetáculo
(assim como os políticos, de quem
Blair talvez seja a quintessência em
matéria de "espetacularização" da
política).
Nada contra o espetáculo nem
mesmo contra o jornalismo-espetáculo, que tem seu espaço. Mas o
jornalismo de qualidade precisa se
lembrar hora a hora, minuto a minuto, que há vida além dos Clodovils da vida.
crossi@uol.com.br
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