São Paulo, sexta-feira, 15 de junho de 2007

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CLÓVIS ROSSI

As bestas e o espetáculo

SÃO PAULO - Das duas críticas em 24 horas à mídia, fico com a de Tony Blair, que obriga a pensar. A de Luiz Inácio Lula da Silva é pobre. O presidente acha que as pessoas podem não sair de casa porque a mídia fala de balas perdidas. Tolice. Se eventualmente não saem, é porque há balas perdidas na vida real, e não apenas no noticiário.
Blair, aliás, incorre em erro parecido. Diz que a concorrência feroz entre os meios de comunicação (velhos e novos) transformou os jornalistas em "bestas selvagens", que vão à caça e, no percurso, destroem reputações.
Primeiro, a generalização é infeliz, como quase toda generalização.
Segundo, em 95% dos casos, grosso modo, reputações foram destruídas, no mundo inteiro, não porque a mídia foi à caça, mas porque os caçados cometeram irregularidades de vários calibres. O próprio Blair, por exemplo, mentiu sistematicamente sobre o Iraque para justificar a guerra, e, por isso, sua reputação foi ao solo.
Quebrar o espelho (a mídia) não muda a realidade (as mentiras ou as balas perdidas).
De todo modo, os "quality papers" deveriam prestar atenção ao fulcro da crítica, qual seja, o de que a competição feroz está provocando perda de valores no jornalismo (não só no jornalismo, mas o espaço não permite ir além dele).
De fato, o mundo moderno transformou-se no que o escritor peruano Mário Vargas Llosa chama de "sociedade do espetáculo".
Se a sociedade quer espetáculo, os jornalistas lhe damos espetáculo (assim como os políticos, de quem Blair talvez seja a quintessência em matéria de "espetacularização" da política).
Nada contra o espetáculo nem mesmo contra o jornalismo-espetáculo, que tem seu espaço. Mas o jornalismo de qualidade precisa se lembrar hora a hora, minuto a minuto, que há vida além dos Clodovils da vida.


crossi@uol.com.br

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