São Paulo, quarta-feira, 15 de junho de 2011

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A sete chaves

Numa vitória do Estado contra a sociedade, Planalto ensaia recuo na promessa de dar acesso a papéis sigilosos após um máximo de 50 anos

Sob argumentos nada claros, o governo federal indica ter voltado atrás na promessa de empenhar-se pelo fim do sigilo eterno nos documentos oficiais do país.
Pela lei atual, os papéis de teor considerado "ultrassecreto" ficam 30 anos inacessíveis ao público, e esse prazo pode ser renovado indefinidamente. A Câmara dos Deputados decidiu, no ano passado, diminuir para 25 anos o tempo do sigilo, autorizando sua renovação por uma vez apenas.
Mesmo levando em conta a eventual gravidade das informações contidas em papéis do tipo, um total de 50 anos para sua divulgação não parece imprudente.
O projeto da Câmara foi encaminhado ao Senado Federal; a presidente Dilma Rousseff comprometera-se a apoiar sua votação tal como o texto se encontrava.
Recuou, entretanto. Ontem, a nova ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, acrescentou a isso a disposição do governo de manter a renovação do prazo do sigilo por tantas vezes quanto se considerar necessário.
Impede-se, assim, o acesso a informações que, em última análise, não são propriedade do governo, mas de toda a sociedade.
Vieram de dois antigos governantes, segundo se noticia, gestões para manter indefinidamente a guarda dos segredos de Estado. Os ex-presidentes José Sarney e Fernando Collor, hoje senadores, respectivamente, pelo PMDB do Amapá e pelo PTB de Alagoas, manifestaram suas preocupações.
Considerando-se as datas em que ocuparam a Presidência da República, ambos estariam preservados de divulgações inconvenientes por um bom tempo.
Estaria então sendo avaliado, pela ótica dos ex-presidentes, o perigo da divulgação de fatos ainda mais remotos? Quais?
Eis o mistério. Fala-se em acordos celebrados há mais de um século, relativos às fronteiras do país. À medida que se aponta para assuntos desse tipo, contudo, o segredo se torna paradoxal: vêm a público os seus motivos (ou pretextos), mas não seus termos.
Só resta a impressão de que algo -não se sabe o quê, e talvez qualquer outra coisa também- deve ficar escondido. O sigilo justifica o sigilo, eternamente.
Compreende-se a necessidade de cautela. Mas é comum, nas relações entre Estado e sociedade, que o argumento termine levando a abusos muito além dos supostos motivos que a originaram.
Como que movido pela própria natureza, o Estado resiste ao julgamento da opinião pública, mesmo em assuntos recobertos pela pátina do tempo. Pela intensidade da reação, contudo, pode-se inferir o quanto de democracia, ou de autoritarismo, há em seus atos.


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