|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
O voto e o tabu
BRASÍLIA - Oficialmente, não há
melhor oportunidade para discutir
temas de interesse público do que
em anos eleitorais. Na prática, porém, é exatamente quando os candidatos fogem feito diabo da cruz
de questões espinhosas como o
aborto, tratadas como tabus.
Por mais que José Serra e Dilma
Rousseff sejam favoráveis à descriminalização, ao contrário da evangélica Marina Silva, eles não admitem, pois o que vale não é o avanço
do debate, mas o pragmatismo e o
voto. Não querem se indispor com o
forte eleitorado conservador da sociedade, muito menos com setores
religiosos que têm cada vez mais
poder financeiro, midiático e sobre
os votos dos seus rebanhos.
Não se trata, porém, de uma
questão religiosa nem moral, mas
da realidade: ninguém pode ser a
favor do aborto, mas milhões de
brasileiras recorrem a ele porque
não têm outro jeito. E devem ser assistidas, até porque as que podem
podem, as que não podem correm o
risco de morrer.
O levantamento do Incor mostrando que a curetagem pós-aborto
é a cirurgia mais realizada pelo SUS
reforça o debate. Foram 3,1 milhões
entre 1995 e 2007, não necessariamente após um aborto provocado,
mas pode-se apostar que, na maioria das vezes, sim.
Fala Ana Costa, sanitarista, doutora em ciências da saúde e autora
do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher: "A clandestinidade atinge a ambas, pobres e
ricas, mas o risco de adoecer ou
morrer fica na conta das pobres. E
são milhares que passam por essa
situação, caracterizando mesmo
um problema para a saúde pública.
Por isso a necessidade de legalizar
para garantir o direito de as mulheres sobreviverem ao aborto, adotado como uma solução terminal para uma gravidez indesejada".
O aborto é uma questão pública,
o SUS é um serviço público, Serra e
Dilma disputam o principal cargo
público do país. Têm o dever de assumir uma posição clara e firme.
elianec@uol.com.br
Texto Anterior: Brasília - Clóvis Rossi: O abuso e o ridículo Próximo Texto: Rio de Janeiro - Luiz Fernando Vianna: Somos idiotas Índice
|