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JOSÉ SARNEY
Ovos de
galinha preta
Uma coisa que ainda não ficou
muito clara para todos os que vivem na era da comunicação global é a
passagem do tempo. Enquanto a ciência avançou e estamos vivendo mais, o
tempo está mais curto e estamos vivendo menos. É um paradoxo, mas de
paradoxos construímos nossas vidas,
que encurtaram.
Num só dia, vive-se um ano, e o ano
corre com tanta velocidade que não
conseguimos sentir que passou. O
passado fica tão longe que se torna impossível apanhá-lo. E, nessa linha de
paradoxos, o ontem é futuro, de tão
longe. Não há mais o diferencial da velocidade dos fatos, que não são rápidos ou lentos, e sim instantâneos.
A pressão do acontecer persegue o
tédio da espera. E o ideal é que as coisas sejam como Deus fez o mundo:
num simples sopro.
Na vida política, há muito se aponta
o fenômeno do envelhecimento, mecanismo dos tais "radicais livres". Dizia-me um interlocutor atento à vida
parlamentar que não sabia mais
quando tinham sido as eleições, porque o Congresso estava muito velho.
As idéias, os partidos e a "vinculação
partidária", de triste memória, são
fósseis que só interessam a paleontólogos políticos. Dos programas partidários nem se fala. Todos também envelheceram. Não pelo esquecimento
dos militantes, mas pela velocidade
com que foram superados: os temas
mudaram, as idéias criaram bolor.
Mas, se passarmos da política para a
ciência, tudo também envelheceu. Envelheceu o buraco negro, cuja existência é contestada a todo lugar e hora.
Surge a todo instante um novo modelo de computador -para apenas citar
essa máquina diabólica que entrou em
nossas vidas e coloca insatisfação em
nosso cotidiano, com o desejo de trocar laptops. Se pensarmos em telefone
celular, aí a coisa se torna de desesperar. Pela antiguidade com que o atual é
sempre o ultrapassado. Aquela moça
bonita e sedutora que aparece na televisão nos mostra novos aparelhos,
com funções mágicas, visores coloridos, cálculos, mensagens e tudo o
mais que nos leva à indignação e nos
dá vontade de quebrar o nosso telefone, tão velho e imprestável se mostra.
Na economia, ficou tudo mais simples. O tempo real cria termômetros
de avaliação de riscos, que se medem
como se comprássemos dois metros
de corda. Antigamente, explicam-me,
a economia, para ser medida, precisava de tempo. As mesmas causas não
tinham os mesmos efeitos, havia o intervalo. Hoje, tudo é diferente. Temos
Dow Jones, Nasdaq, risco Brasil, IPCA, IPC, IGP-DI, IGP-M.
Para avaliarmos como as coisas são
outras, Campos Sales, presidente em
1898, eleito, advertiu, diante da quebradeira geral, de que o país estava endividado e falido: "Só há um caminho
para sairmos do charco: governo e Câmaras tomarem a iniciativa de não votar uma só despesa e votar todas as
economias possíveis". O FMI de então
chamava-se Casa Rotschild. Suas exigências para emprestar eram insuportáveis: o penhor das rendas das alfândegas, das estradas de ferro, da Companhia de Água e Luz do Rio e outras
coisas mais.
Quando vejo a velocidade provocada pelo tempo real, leio a recomendação do brilhante cientista político José
Luis Fiori para acertar os ponteiros do
país : "Quebrar ovos". Evidentemente
que não são os de galinhas pretas.
José Sarney escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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