São Paulo, domingo, 15 de agosto de 2004

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A VENEZUELA DECIDE

Cerca de 14 milhões de venezuelanos estão habilitados para votar hoje no plebiscito que vai decidir o destino do presidente Hugo Chávez. Se a oposição conseguir reunir mais de 3,8 milhões de escrutínios, Chávez deverá deixar o posto, e um novo pleito será convocado para escolher quem concluirá o restante de seu mandato, previsto para acabar em janeiro de 2007.
Embora o quadro esteja indefinido, a evolução das pesquisas de intenção de voto sugere que Chávez tem boas chances de conservar-se no poder. Ajudam-no a recuperação da economia, a alta dos preços do petróleo e programas assistencialistas voltados para a população pobre, que constitui sua base de sustentação.
Até aqui, a campanha plebiscitária transcorreu -felizmente- sem episódios mais significativos de violência, o que não é pouco considerando o ambiente de extrema polarização que envolve o país. O radicalismo de parte a parte é tamanho que há dúvidas quanto à capacidade da consulta popular de serenar os ânimos.
Com efeito, uma eventual vitória de Chávez pode não dissuadir setores da oposição da idéia de depô-lo por outros meios, a exemplo do golpe que foi tentado em abril de 2002. Se a manutenção do mandatário se der por estreita margem, não faltarão acusações de fraude e manipulação.
Na hipótese inversa, que é a de Chávez sair derrotado no referendo, nada indica que ele desistirá de conservar-se no poder. Em princípio, não existem leis que o impeçam de participar do pleito que designará seu substituto. Como é pouco provável que os vários grupos que formam o principal bloco de oposição se mantenham unidos a ponto de lançar candidato único, não é irrealista um cenário no qual Chávez vença a disputa à sua própria sucessão, o que quase certamente levaria à continuidade da atual crise política.
Existem prognósticos mais sombrios, no qual as forças em disputa se enfrentariam nas ruas, podendo deflagrar uma guerra civil. Espera-se que o bom senso prevaleça e essa hipótese extrema não ocorra.
A escolha que os venezuelanos têm diante de si não é das mais salubres. Chávez pode ser descrito como um carismático líder populista e personalista com pendores autoritários e infantilmente esquerdistas, além de francamente incompetente para conduzir a economia do país. Em 1992, quando era tenente-coronel dos pára-quedistas, tentou um golpe contra o governo democrático, pelo que foi preso e, depois, anistiado. É verdade, porém, que, uma vez eleito, não rompeu nenhum limite institucional, embora se tenha utilizado de recursos condenáveis, como a ampliação do Supremo Tribunal de Justiça, em benefício próprio.
Da oposição não se pode traçar um perfil edificante: um amálgama de grupos cujo único interesse comum é derrubar Chávez já atentou contra a democracia quando pretendeu remover o presidente por meio de um golpe de Estado em 2002, felizmente revertido. Os oposicionistas tampouco demonstraram grande senso político quando, de dezembro de 2002 a fevereiro de 2003, comandaram uma greve geral que prejudicou fortemente a economia do país.
Espera-se que ambos os lados, depois de tantos confrontos, saibam agir com serenidade e acatem de maneira madura o resultado das urnas. Que os vencedores entendam que o país precisa revigorar seus espaços de mediação política e, a despeito das divergências, se unir em torno de compromissos democráticos. Uma Venezuela cindida, sem canais de comunicação e resolução de conflitos políticos, não interessa nem aos venezuelanos nem ao continente.

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