São Paulo, terça-feira, 15 de agosto de 2006

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Ataque à imprensa

Apuração exemplar de crime contra repórter e técnico de TV é necessária para evitar a banalização desse tipo de atentado

O SEQÜESTRO neste fim de semana do repórter Guilherme Portanova e do auxiliar técnico Alexandre Calado, ambos da TV Globo, foi um passo temerário nos métodos do crime organizado paulista. O alvo da intimidação não se restringiu aos dois profissionais, tampouco à emissora em que trabalham. Tratou-se de um atentado contra a imprensa, de cuja liberdade depende, em grande medida, a própria democracia.
Quando bandidos arrebatam um jornalista e condicionam a sua libertação à transmissão de uma mensagem pela TV que o emprega, é o direito à informação que está sob ameaça.
Esta Folha se solidariza com a Rede Globo pela decisão difícil que teve de tomar, diante da ameaça covarde contra a vida de seu repórter. Felizmente, Portanova e Calado saíram fisicamente íntegros do episódio.
Esse crime, no entanto, é grave demais -suas implicações, é bom reiterar, transcendem a esfera dos protagonistas imediatos- para que baste a soltura dos reféns. Ou as autoridades reagem de imediato e de modo exemplar, identificando rapidamente os autores e os mandantes do seqüestro, ou o que é por ora um episódio isolado na ação do chamado PCC se tornará o primeiro ato de uma série.
Não podemos tolerar que o Estado mais rico e populoso do Brasil se submeta a coerção fascista comparável à que cartéis da droga e guerrilhas que um dia foram de esquerda chegaram a exercer sobre os meios de comunicação na Colômbia. Só às piores tiranias se compara o poder liberticida de gangues que seqüestram e matam a fim de subjugar o Estado de Direito.
Não há de estar inquieta a facção criminosa paulista necessariamente porque se sinta mais poderosa. O fato de ser levada a aumentar o grau de descaramento de suas ações atesta que os interesses dos líderes da quadrilha estão sendo seriamente contrariados. O fato de vociferar contra o Regime Disciplinar Diferenciado (o que isola chefes criminosos nas penitenciárias) confirma que o dispositivo é mesmo eficaz contra esse tipo de organização e que seu uso deve ser ampliado.
Ocorre que o terror também é filho da impotência. É comum que grupos, ao enveredarem por esse caminho, testem o tempo todo novas formas de espalhar o pânico na população, minimizando custos e riscos. As possibilidades abertas pelos ensaios terroristas do PCC fora dos muros dos presídios, portanto, exigem das autoridades inovações em sua capacidade de resposta.
Não pode ser frágil nem fria a resposta do poder público no momento em que a porta de entrada para a intimidação contra a imprensa foi aberta. É dever da polícia, do Ministério Público, da Justiça e de toda a sociedade afirmar com energia incomum que quem trilhar esse caminho incorrerá em um risco altíssimo. Caso contrário, a apuração e a circulação de informações -um pilar consagrado da democracia- estarão sob risco de seqüestro no Brasil.


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