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Compras estatais
Governo determina cota para produtos nacionais em licitações; medida aumenta subjetividade da escolha e pode incentivar corrupção
O governo federal editou no
mês passado a medida provisória
495, alterando dispositivos da lei
8.666, que regula as licitações públicas. A medida incorporou a
promoção do desenvolvimento
nacional entre os objetivos das licitações, ao lado da seleção da
proposta mais vantajosa para a
administração pública.
A principal mudança é criar a
possibilidade de o Executivo Federal estabelecer uma margem de
preferência de até 25% para fornecedores nacionais. Essa margem
será definida segundo critérios vagos de geração de emprego e renda, efeito na arrecadação e desenvolvimento tecnológico nacional;
e poderá ser aumentada no caso
de bens e serviços com inovações
realizadas no país.
A política de compras governamentais é utilizada por muitos
países como instrumento de desenvolvimento econômico e incorporação de tecnologia. Como
as compras públicas tendem a ter
um peso grande na economia, seu
direcionamento local pode contribuir para viabilizar cadeias industriais que necessitam de escala, o
que é frequente em setores de tecnologia mais avançada.
Nos EUA, por exemplo, há várias leis com esse objetivo, a começar pelo "Buy American Act", de
1933, adotado no auge da grande
depressão para favorecer o produtor doméstico. A margem de preferência é de até 12%, mas pode chegar a 50% para compras do Departamento da Defesa (no caso de alguns itens, o uso de fornecedores
estrangeiros é proibido). Na China, a política de compras do governo é dos itens mais importantes ainda em negociação no processo de adesão do país à Organização Mundial do Comércio.
Não se deve descartar a possibilidade de o Brasil fazer bom uso
desse instrumento largamente
utilizado em outros países. Por outro lado, há riscos importantes
que precisam ser considerados à
luz da experiência internacional e
das conhecidas fragilidades dos
processos de licitação no país.
O principal deles é que a preferência conferida a produtos nacionais aumenta a subjetividade na
escolha, o que pode incentivar a
corrupção. Será difícil assegurar
que haja competição nas licitações, evitando conluio e monopólios. Daí a necessidade de reforçar
os mecanismos de controle já existentes na lei de licitações -inclusive o papel do Tribunal de Contas
da União tantas vezes criticado
pelo presidente da República-,
de modo a assegurar impessoalidade e transparência.
Nos próximos anos haverá
grande número de licitações, especialmente na área de infraestrutura. É preciso considerar cuidadosamente os problemas que podem ser gerados pela nova legislação e verificar a viabilidade de salvaguardas para o dinheiro público. Pode-se concluir que é melhor
deixar como está, mas o debate
deve ser feito sem pressa. Não parece adequado que se modifique a
lei de licitações por medida provisória em momento de transição de
governo.
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