São Paulo, segunda-feira, 15 de agosto de 2011

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Quando a cultura mata

Qualquer divergência envolvendo missionários, antropólogos, índios e governantes torna diminuta a chance de soluções consensuais. Ainda mais quando tudo se reveste de forte teor emocional, como no caso da polêmica sobre a chamada lei Muwaji.
O projeto, que há quatro anos tramita no Congresso, conta com o apoio de organizações evangélicas e toma emprestado o nome de uma indígena da etnia suruwahá. Depois de dar à luz uma criança com paralisia cerebral, Muwaji abandonou sua aldeia para evitar que a menina fosse sacrificada.
Em algumas culturas, o infanticídio é prática avalizada pela tradição. Não só bebês com deformações congênitas, mas também gêmeos e filhos de mãe solteira, podem ser destinados ao sacrifício.
Faltam dados para avaliar a extensão do fenômeno. Uma ONG nos arredores de Brasília, entretanto, foi fundada para atender suas possíveis vítimas.
Contando com voluntários evangélicos, a ONG Atini abriga 12 famílias -e desperta críticas de antropólogos. Retirar índios de suas aldeias para criá-los sob a ética cristã é uma interferência violenta, argumentam alguns deles.
O raciocínio, que aparentemente não comporta nuances, é sintoma da intensidade da polêmica.
Uma primeira versão da lei Muwaji pretendia responsabilizar criminalmente, por omissão de socorro, funcionários da Funai que não tomassem medidas para impedir a morte dos recém-nascidos. Responsabilizá-los pela prática enraizada, e de difícil detecção, seria de um rigor descabido.
Uma alternativa foi apresentada pela deputada Janete Pietá (PT-SP). Propõe só a realização de campanhas pedagógicas, de modo a que os órgãos do governo ofereçam "oportunidades adequadas" para que as culturas indígenas adquiram "conhecimentos sobre a sociedade em seu conjunto".
O ponto de equilíbrio entre o respeito à autonomia dos índios e a defesa constitucional dos direitos da pessoa humana -de bebês indígenas gêmeos, por exemplo- é, como se vê, difícil de resolver.
Não se trata, claro, de demonizar os índios por uma prática que, tradicionalmente, não consideram crime. Mas relativismo cultural tem limites: a Constituição e sua garantia do direito à vida.
A defesa de um ser humano conta mais, sem dúvida, que a defesa de tradições a vitimá-lo.


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