São Paulo, quinta-feira, 15 de setembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Educação, instrumento contra desigualdade

MILÚ VILLELA

A educação é a única variável estratégica que nunca falha para o desenvolvimento de um país. A frase, dita em 2004 pelo ex-premiê espanhol Felipe González, agradou a uma seleta platéia de empresários brasileiros. Afinal, o seu autor sabe bem o que fala: ex-advogado sindical, secretário-geral do Partido Socialista, González elegeu-se primeiro-ministro aos 40 anos, tendo sido responsável por modernizar o país, inserindo-o na Comunidade Européia. Quando assumiu o governo, a renda per capita espanhola era de US$ 4.500. Quatorze anos depois, na sua saída, o valor alcançou US$ 15 mil.


Impossível pensar em qualidade quando falta energia em 20% das escolas públicas e apenas 25% têm bibliotecas


Indagado sobre o que o Brasil deveria fazer para experimentar semelhante salto, González respondeu incisivo: "Melhorar a educação". Poucos brasileiros discordarão da resposta. Recentes estudos confirmam o que parece ser cada dia mais um consenso nacional: se quisermos reduzir nossas desigualdades, incluindo mais cidadãos no processo de crescimento econômico, o primeiro passo é oferecer educação de qualidade a todos.
Respeitadas as naturais diferenças, parece também haver um consenso entre educadores sobre o que é necessário para melhorar a qualidade da educação do país. Os diagnósticos são conhecidos. As soluções, também. Faltam-nos, sobretudo, vontade política, maior articulação entre os envolvidos e capacidade de implantar as boas idéias.
Sabe-se, por exemplo, que o país não terá escola boa para todos sem financiamento e distribuição adequados dos recursos. O Brasil investe hoje 4,3% do PIB. Mas um estudo do Ministério da Educação atesta que o ideal seria 8%. Além disso, o gasto médio por aluno no ensino fundamental varia conforme as regiões. No Sudeste, gasta-se R$ 101 por mês, contra R$ 49,50 no Nordeste. Agrava o quadro o fato de que se investe 14 vezes mais num estudante de universidade pública do que num aluno de ensino básico, diferença considerada alta pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Experiências em todo o mundo mostram que aperfeiçoar o ensino básico é fundamental para melhorar a educação como um todo. Uma criança que não aprende direito nas quatro primeiras séries carregará suas limitações de formação para o ensino médio e, mais tarde, terá enorme dificuldade de ingressar em uma boa faculdade. Em 2003, relatório da OCDE feito a partir de pesquisa em 40 países colocou os alunos brasileiros nas últimas colocações no domínio de língua portuguesa e matemática.
A preocupante falta de qualidade nas primeiras séries tem resultado em índices elevados de evasão e de abandono, o que contribui para alimentar a engrenagem de um ciclo vicioso.
Sabe-se também que não há escola boa sem equipamentos decentes. Impossível pensar em qualidade quando falta energia elétrica em quase 20% das escolas públicas, uma em cada dez não possui esgoto e apenas 25% dispõem de bibliotecas. Regra geral, os prédios escolares, além de mal planejados, apresentam precária manutenção e afastam as crianças e jovens quando deveriam atraí-los.
Sabe-se ainda que não existe escola boa sem a participação dos pais e da comunidade em sua gestão. Elas costumam ser melhores nas comunidades onde há maior capital social, isto é, mais conexões entre os diferentes públicos. O capital social explica, por exemplo, porque existem exceções de qualidade em meio a uma regra de mediocridade.
Sabe-se que não há escola boa sem professor capacitado nem metodologia adequada. No Brasil, apenas 10% das escolas possuem laboratório de informática, 10% acessam a internet e 14% têm vídeo, recursos que, se bem utilizados, poderiam fazer a diferença na qualidade de uma aula.
A despeito das possibilidades sugeridas pela Lei de Diretrizes e Bases e pelos Parâmetros Curriculares Nacionais, na prática evoluiu-se menos do que seria desejável na aplicação de novos métodos capazes de gerar envolvimento e interesse pela aprendizagem. Para piorar o quadro, os baixos salários médios pagos a professores no Brasil atraem normalmente profissionais com formação deficitária. Muitos dos abnegados educadores são obrigados a dar aulas em mais de uma escola para sobreviver e, por esse motivo, faltam mais. Poucos recebem treinamento ou são sistematicamente avaliados.
Por último, sabe-se que a educação de qualidade exige planejamento no longo prazo. E esse é um problema para um país como o Brasil, cujas políticas públicas mudam ao sabor da alternância de quem assume o poder. De tão importante para o desenvolvimento de uma nação, a educação não deveria ser política de governos, sujeita, portanto, às opiniões e aos temperamentos transitórios. Precisa ser uma política de Estado. Uma prioridade nacional estabelecida ao longo de um horizonte de tempo mais amplo. "O projeto educacional de um país que deseja vencer suas desigualdades deve ter, no mínimo, 20 anos", ensina González.

Milú Villela é presidente do Instituto Faça Parte, do Instituto Itaú Cultural e do Museu de Arte Moderna de São Paulo.


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