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Estelionato à vista
Enquanto assessores do PT e do PSDB avaliam onde e como cortar, Lula e Alckmin despistam eleitor sobre ajuste fiscal
A JULGAR pelos primeiros programas do horário eleitoral, nenhum ganho substantivo de qualidade no debate entre os candidatos à Presidência
se mostra digno de registro. Estaríamos, numa apreciação preliminar, apenas diante da habitual sucessão de marchinhas e
sorrisos, de candidatos caminhando em câmara lenta no rumo de um horizonte vago, encontrando ao longo do percurso
uma amostra cientificamente
ponderada de eleitores segundo
diferentes faixas de idade e origens étnicas.
Curiosamente, contudo, uma
questão "ideológica" ganha espaço no confronto entre Lula e
Alckmin. Num movimento extemporâneo e escamoteador, tudo se passa como se, no próximo
mandato presidencial, estivesse
em pauta o antigo debate entre
privatismo e estatismo.
Várias camadas de inadequação e disparate se superpõem
nessa tentativa de polarização
doutrinária entre os candidatos.
Em quatro anos de governo, Lula
não deu nenhum passo sequer
no sentido de reverter as privatizações realizadas pelo seu antecessor; tampouco se dispôs a investigar as irregularidades que,
não se cansa de dizer, teriam sido
cometidas no processo.
A crítica lulista às privatizações não só é refutada na prática
administrativa de seu governo
como se torna mais deslocada e
irrealista do que nunca. Na área
de telefonia, por exemplo, o
abandono do modelo estatista
resultou em patente sucesso,
tanto em termos de elevação dos
investimentos quanto nos benefícios que acarretou para a grande maioria da população.
Quanto à candidatura Alckmin, pode enfatizar sem desconforto que não mudará o modelo
de gestão vigente na Petrobras
ou no Banco do Brasil; a refutação indignada de tais acusações
lhe serve, no fundo, como cortina de fumaça a esconder sua própria ausência de projetos, ou seu
desinteresse político em explicitá-los ao eleitor.
O falso tema da privatização
presta aos dois candidatos o serviço de eximi-los de discutir o
que realmente está em jogo na
política econômica durante os
próximos quatro anos. Trata-se
do ajuste fiscal, passo imprescindível para a redução continuada
dos juros e para a aceleração do
crescimento econômico.
Quando o ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, trata no
Congresso da desvinculação das
receitas orçamentárias -o que
significa dar ao governo mais flexibilidade para cortar gastos em
saúde e educação-, é este o tema
em foco. Quando o economista
Yoshiaki Nakano enuncia seus
planos de superávit fiscal, para
pânico e desconcerto dos estrategistas de Alckmin, é também
disso que se trata.
Cortar onde, como e em que
medida? Quais os setores a serem sacrificados nesse ajuste?
De que modo obter repartição
mais justa da carga tributária e
como recalibrá-la sem comprometer o atendimento às necessidades básicas da população?
Um estelionato eleitoral se
prepara de ambos os lados, enquanto a campanha investe na
desinformação e no marketing,
condimentados agora por uma
polarização doutrinária artificial
e fora de época. E o eleitor, reduzido a um simulacro sorridente
nas imagens da propaganda eleitoral, vê-se tratado como sempre: uma massa de manobra infantilizada, cujas opiniões reais,
sobre problemas reais, nenhum
candidato tem coragem ou interesse em consultar.
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