São Paulo, sexta-feira, 15 de outubro de 2010

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JOSÉ SARNEY

Guerra religiosa

Na história da humanidade, o tema religioso foi inicialmente dominante. Petrônio diz que Deus assim quis porque fez o medo antes de revelar-se. "Primus in orbe deos fecit timor" (Primeiro no mundo Deus criou o medo). Os povos primitivos precisavam explicar o mundo, e a explicação os levava ao caminho da religião.
Na disputa pelo poder, o homem quis ser o guardião de Deus e torná-lo uma arma em suas guerras.
Logo surgiu a identificação de Deus com reis, imperadores, faraós. Mesmo na civilizada Roma, Otávio, no caminho para se tornar Augusto, usou o cognome de Divi filius, deificando Júlio César e incorporando sua adoção.
Essa ideia passou na Europa medieval para a ideia da monarquia por direito divino.
E continuaram as guerras religiosas, seja entre cristãos e muçulmanos, seja, depois da reforma, entre cristãos. Ainda no Iluminismo havia títulos como Sua Majestade Cristianíssima.
Depois, com a chegada da democracia, parecia que o tema religioso tinha saído do centro dos debates políticos.
Ainda havia movimentos integristas, como a Ação Francesa de Maurras, no começo do século 20, mas eles não chegavam a dominar a cena.
Com Khomeini, o Estado teocrático se instalou no Irã e passou a ser um dado determinante da política internacional. Com Bush, a questão religiosa chegou à política dos países democráticos, levantando as religiões conservadoras americanas como arma para atingir objetivos políticos.
Os neoconservadores defendem ideias primitivas, como o Criacionismo, tese que rejeita a evolução das espécies e considera Darwin um demônio.
No Brasil, a Igreja Católica recuou em seu predomínio tradicional, e os evangélicos tornaram-se 30% da população. A igreja tentou uma primeira abordagem política com a Teologia da Libertação, silenciada por João Paulo 2º.
Mais recentemente, os temas doutrinários abriram espaço para manifestações mais sensíveis às igrejas populares, como a união entre pessoas de mesmo sexo e o aborto. Sobre este, a legislação já protege a vida desde a concepção, vida que nós cristãos consideramos a maior graça de Deus.
Mas esses temas parecem transcender os estudos teológicos e inserem-se numa presença exacerbada da religião, no mundo inteiro, nos temas quotidianos da sociedade, atingindo a política. Essas questões, tratadas de maneira dogmática, podem evoluir para o bem ou para o mal.
A lição do Oriente Médio e da expansão dos regimes teocráticos é um retrocesso, mostrando o perigo do radicalismo religioso. Temos que ficar alertas para que este ódio não invada o debate político brasileiro, abrindo caminho ao fanatismo.


JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.

jose-sarney@uol.com.br


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