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TENDÊNCIAS/DEBATES
Devem ser revistas as penas impostas aos menores que cometem crimes?
SIM
Preservar o ECA, mas com razoabilidade
LUIZ FLÁVIO GOMES
Embora conte com forte apoio
popular em recente pesquisa da Ordem dos Advogados do Brasil -89%
dos entrevistados manifestaram concordância com a tese da redução da
maioridade penal para 16 anos-, o correto, cientificamente, é sua peremptória
refutação, em razão sobretudo da sua
ineficácia e insensibilidade.
Se os presídios são reconhecidamente
faculdades do crime, a colocação dos
adolescentes neles só teria um significado: iríamos mais cedo prepará-los para
integrarem o crime organizado. Aliás,
os dois grupos que mais amedrontam
hoje Rio de Janeiro e São Paulo (Comando Vermelho e PCC) nasceram justamente dentro dos nossos estabelecimentos penais.
Se de um lado, portanto, não parece
dotada de sensatez essa postulação puramente vingativa, de outro tampouco
está claro no Estatuto da Criança e do
Adolescente o tratamento que deve ser
dado aos autores de crimes sanguinários, que revelam total desajuste comportamental.
Uma coisa é a prática da ameaça ou
mesmo de um roubo desarmado, outra
bem distinta é a morte intencional (dolosa), especialmente quando causada
com requintes de perversidade. Para o
ECA, entretanto, em princípio, tudo
conta com a mesma disciplina, isto é,
em nenhuma hipótese a internação do
infrator (que é medida socioeducativa
voltada para sua proteção e da sociedade também) pode ultrapassar três anos
ou sobrepor a idade de 21 anos.
Casos chocantes e aberrantes como o
do menor Xampinha, que confessou ter
matado o casal de estudantes Liana e
Felipe, não deveriam nunca conduzir a
um perigoso e pouco amadurecido clamor popular (ou midiático) que, emocional ou mesmo desesperadamente,
propugna pela adoção de medidas radicais e emergenciais, como se fosse imprevisível a violência juvenil.
Ao contrário, críticos e agudos momentos exigem maior ponderação,
mesmo porque de medidas paliativas e
pouco eficazes (como foi e é a Lei dos
Crimes Hediondos) o brasileiro já está
exausto. Ninguém suporta o engano e a
fraude de mais uma alteração legislativa
que promete solução para todos os nossos males econômicos e sociais, mas
que na verdade nunca resolve nada.
Com o advento da Convenção da
ONU sobre os Direitos da Criança, que
foi subscrita por mais de 180 países, inclusive o Brasil, não há dúvida de que se
transformou em consenso mundial a
idade de 18 anos para a imputabilidade
penal. Mas isso não pode ser interpretado, simplista e apressadamente, no sentido de que o menor não deva ser responsabilizado pelos seus atos infracionais.
No imaginário popular brasileiro difundiu-se, equivocadamente, a idéia de
que o menor não se sujeita a praticamente nenhuma medida repressiva. Isso não é correto. O ECA prevê incontáveis providências socioeducativas para
o infrator (advertência, liberdade assistida, semiliberdade etc.). Até mesmo a
internação é possível, embora regida
(corretamente) pelos princípios da brevidade e da "ultima ratio" (última medida a ser pensada e adotada). A lei concebe a privação da liberdade do menor,
quando se apresenta absolutamente necessária.
De qualquer modo, em se tratando de
menor absolutamente desajustado, que
revela grave defeito de personalidade,
não parece haver outro caminho senão
o de colocá-lo em medida de segurança,
para tratamento e recuperação.
Não é preciso, evidentemente, chegar
à solução do direito penal italiano, que
admite a imputabilidade penal acima
dos 14 anos, conforme se constate concretamente (em cada caso) que o menor
tinha capacidade de querer e de entender. Não parece aceitável, de outro lado,
remeter o menor para o Código Penal;
muito menos para os cárceres destinados aos adultos.
Ao menor com grave desvio de personalidade não parece haver outro caminho senão o do tratamento adequado,
nos termos do art. 112, par. 3º, do ECA,
que deve durar até cessar a periculosidade. Com isso se conclui que, quando
necessário, devem ser extrapolados os
limites de três anos de internação ou
dos 21 anos de idade.
Essa interpretação do ECA, de qualquer maneira, embora possa ser tida como razoável, não é de modo nenhum
suficiente. Faltam investimentos que
possam proporcionar ao jovem pautas
de valores aceitáveis.
Resta saber até quando estamos dispostos a pagar com nossa vida essa negligência de toda a sociedade brasileira.
Luiz Flávio Gomes, doutor em direito penal pela Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madri, é diretor-presidente da primeira TV Jurídica do Brasil (www.ielf.com.br). Foi
juiz de direito em São Paulo (1983-98) e presidente do IBCCrim (Instituto Brasileiro de Ciências Criminais), do qual é co-fundador.
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