São Paulo, quarta-feira, 15 de novembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O avanço do terrorismo

IVES GANDRA DA SILVA MARTINS

O líder americano não vê que os povos são diferentes, e as culturas, diversas. O terrorismo de "mártires" só se vence pelo diálogo

EM ARTIGO publicado nesta Folha em 9/4/2003 ("O terrorismo oficial de Bush", pág. A3), manifestei entendimento no sentido de que a ação desmesurada, desnecessária e desinformada de Bush no Iraque abria campo para reações cuja magnitude era impossível vislumbrar, mas que poderiam redundar no incentivo ao terrorismo.
Passados três anos, tal invasão, criticada pela comunidade internacional, encetada como contraponto à tragédia das torres gêmeas, conseguiu destruir um país organizado, prender e condenar um ditador idoso em fim de "carreira", incrementar o terrorismo, acelerar a corrida nuclear e tornar o terror a arma das nações fracas contra as fortes, que se arvoram em senhoras da paz e da guerra.
O caos no Iraque e no Afeganistão, o morticínio diário nos dois países, inclusive de americanos, o fortalecimento nuclear de duas outras nações que se consideraram ameaçadas por Bush por terem sido denunciadas como participantes do "eixo do mal" (Irã e Coréia do Norte), assim como as dificuldades crescentes de Israel em conviver com seus vizinhos islâmicos, com aumento de incursões, destruições e mortes de inocentes, demonstram que as técnicas de luta contra o terrorismo que utilizam a força, e não a inteligência, a violência, e não o diálogo, são como lançar gasolina na fogueira quando se quer apagá-la, na crença de que, por ser líquido o combustível, o fogo desapareceria.
Bush não percebe, apesar da imensa rejeição até do povo americano (no mundo inteiro, americanos, ingleses e canadenses, enfim, a maioria da população lamenta a continuação da guerra no Iraque), que fracassou. Repito: fracassou em transformar o Iraque numa democracia, tendo destruído, em contrapartida, Bagdá, a mais bela cidade oriental antes da invasão, após aniquilar o frágil regime de Saddam, em duas ou três semanas.
É que o limitado líder americano não percebeu que os povos são diferentes, e as culturas, diversas; e que o terrorismo de "mártires" só pode ser vencido com base no diálogo, por se alimentar da repressão, gerando tanto mais mortes quanto mais forte o poder de fogo das nações poderosas.
Em meu livro "Uma Visão do Mundo Contemporâneo", de 1996, traduzido para o russo e o romeno, previ o aumento do terrorismo caso o combate fosse feito à luz do fogo contra fogo. E que atentados como o das torres americanas poderiam ocorrer -o que, infelizmente, aconteceu.
Lamentavelmente, estava certo, e não o presidente Bush e seus assessores, com o que colhe, agora, os resultados da desastrada intervenção promovida por ele e seus aliados, alguns deles já tendo tido o bom senso de se retirar do destruído Iraque.
Muitas vezes, coloco-me o problema: por que, em pleno século 21, as nações desenvolvidas se arvoram no papel de defender os destinos das nações menos desenvolvidas mediante o controle da utilização da energia nuclear, que não admitem em seu próprio território? Por que a insistência em se colocar a salvo do alcance de tribunais penais internacionais? Por que a aplicação de sanções aos povos emergentes considerados inimigos sempre tanto mais severas quanto mais rebeldes forem as reações de seus líderes?
Não é nunca tarde lembrar que, na Corte Internacional de Haia -cuja vaga brasileira foi perdida pelo governo Lula-, Rui Barbosa defendeu a tese de que a "força do direito" deveria prevalecer sobre o "direito da força".
Em outras palavras, contestava, à época, o direito de qualquer potência, inclusive os Estados Unidos, se outorgar o poder de dizer o que é certo e o que é errado para todo o mundo.
Creio que, se não revertermos essa visão "calicliana" (em referência ao personagem de "Górgias", de Platão) de que "ao mais forte cabe o direito a sua força, e, ao mais fraco, o direito a sua fraqueza", o terrorismo continuará sendo a arma do fraco contra o forte, impondo à humanidade um preço descomunal.
Somente o diálogo, muito diálogo e espírito desarmado podem provocar a reversão desse quadro. Caso contrário, o terrorismo continuará em crescimento, e a humanidade -em pleno século 21- viverá a insegurança máxima em todos os países e em todos os povos.


IVES GANDRA DA SILVA MARTINS, 71, advogado tributarista, professor emérito da Universidade Mackenzie, da UniFMU e da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército, é presidente da Academia Paulista de Letras, do Conselho de Estudos Jurídicos da Federação de Comércio de São Paulo e do Centro de Extensão Universitária.

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