São Paulo, domingo, 15 de novembro de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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Tudo será como sempre foi

ABRAM SZAJMAN

Muitos indicadores remetem à situação que antecedeu a crise, como se os dois anos de pânico fossem letra morta na história econômica

SÃO NO mínimo estranhos os fenômenos econômicos, o que faz da economia um fascinante campo de estudos dos comportamentos sociais. O conjunto das leis que a governam só se confirma em casos especiais, em que nenhuma das variáveis se modifica entre o momento da previsão e a ocorrência do efeito. Em outra circunstância, o resultado pode ser oposto ao objetivo pretendido.
Quando, em agosto de 2008, alguns analistas procuravam destacar os efeitos que adviriam da euforia financeira na América do Norte e nas demais economias, bancada por dinheiro virtual em montante nunca antes visto, os alertas foram recebidos com ceticismo, muxoxos histriônicos.
Um mês depois, a crise estourava. A quebradeira dos bancos abria alas para a de outros setores. Gregos e troianos eram lançados ao pior dos mundos. O medo generalizado originava previsões catastróficas e, ao mesmo tempo, promessas de realizações ousadas e inovadoras, capazes de impedir o desastre, ainda que fosse necessário dar nova configuração econômica ao mundo, substituindo o dólar como moeda mundial e decretando o fim da hegemonia dos EUA.
Passado um ano da eclosão da crise, a conversa mudou de tom e de propósito. Discute-se hoje o início da recuperação dos países ricos, a imunidade dos Brics, o trivial pouco variado destinado aos pobres -discute-se, cândida e ironicamente, a mesma pauta que se seguia antes do atropelo, como se a proposta feita por alguns líderes mundiais de mudar os rumos da globalização e de romper com o modelo concentrador da era dos impérios não passasse de arrufo de conveniência, pois, distante do grande irmão do Norte, não há nem haverá salvação.
Assim, o capital do mundo ruma aos Estados Unidos.
Todos sabem que a lambança começou no Norte. Depois de parir Mateus, ao embalá-lo os americanos comportaram-se como o elefante na loja de porcelanas. Ainda assim, todos se dispõem a pagar a conta da quebradeira -um paralelo trágico, no qual a vítima é a responsável pela salvação do seu algoz. Por falta de opção, o imenso oceano econômico conta com um único porto seguro.
Irônica, mas também trágica situação. Sobretudo quando o valor das "subprimes" negociadas agora nos EUA equivale ao das que foram negociadas antes da crise, em 2006.
Por que as coisas assim se dão? Por que os EUA continuarão atraindo o capital internacional, mesmo pagando juros negativos?
Porque, em primeiro lugar, as reservas internacionais de quase todos os países de economia expressiva são mantidas em dólar. Havendo desconfiança em relação ao credor, essas reservas perdem valor. Seria como atirar no próprio pé, cavar a própria sepultura. Por isso o dólar, mesmo perdendo poder de compra em comparação com todas as moedas relevantes nos últimos dois anos, não sofre ataque especulativo.
De outra parte, a gênese do capital exige rentabilidade, ativos seguros e de liquidez incontestável. Apesar da queda da importância relativa de sua economia no PIB mundial, os Estados Unidos são -e serão-, "per omnia", o maior país do mundo em produção, em consumo, em tecnologia etc. Então, com crise ou sem crise, abrigo líquido e seguro para o investidor. Depois, a força descomunal do gigante do comércio internacional, maior comprador da China, do Japão e mesmo da Europa. Como essas economias deixariam de financiar seu melhor freguês?
Não é de estranhar, portanto, que as elevadas dívidas americanas continuem, como o foram nas últimas décadas, financiadas com facilidade. Enquanto isso, o lado real da economia se recupera lentamente, com exceção dos Brics, cujo ritmo é mais rápido. A euforia dos mercados começa a despontar, sobretudo no caso brasileiro. A taxa de juros mundial segue em recorde de baixa, mas a elevação do preço das commodities pode ser o gatilho de um ciclo de aumento de juros a partir da metade de 2010.
Fora da pauta por dois anos, a inflação volta à baila, pois retomada com aquecimento acelerado pode elevar o preço futuro. Os preços estão distantes dos recordes de alta, mas já sobem e podem levar os bancos centrais, principalmente o do Brasil, a aumentar os juros.
Todos esses indicadores remetem à situação que antecedeu a crise, como se os dois anos de pânico fossem letra morta na história econômica. Nada de novo ou de substancial está acontecendo. Fixa-se, cada vez mais e tão somente, a desconfortável ironia de ver o mundo contribuindo, como refém perpétuo, para o ajuste das contas do promotor da orgia.


ABRAM SZAJMAN, 70, é presidente da Fecomercio-SP (Federação do Comércio do Estado de São Paulo), do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e dos conselhos regionais do Sesc (Serviço Social do Comércio) e do Senac (Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial).


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