São Paulo, domingo, 15 de dezembro de 2002

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MALES DO MODELO

Duas notícias recentes suscitam preocupação no que concerne aos efeitos e aos rumos da política econômica brasileira.
A primeira ilustra certos efeitos perversos da política econômica implementada no segundo mandato de FHC. Segundo a pesquisa relativa às Contas Nacionais divulgada pelo IBGE na quarta-feira passada, entre 1999 e 2001 a poupança das famílias sofreu erosão expressiva: caiu de R$ 79,3 bilhões para R$ 56,7 bilhões. Essa queima de quase 30%, em apenas dois anos, foi a maneira que as famílias encontraram para sustentar seus gastos diante da queda de sua renda.
Em paralelo, a mesma pesquisa apurou que a poupança dos bancos cresceu de R$ 6,8 bilhões para R$ 20,5 bilhões -ou seja, triplicou, também no curto intervalo de dois anos. As razões da alta foram, entre outras, os juros altos e o aumento do "spread" bancário (ou seja, da diferença entre o custo de captação de recursos pelos bancos e o custo dos créditos que ofertam).
A outra notícia preocupante foi a aprovação de uma série de medidas que aumentaram ainda mais a carga tributária, que já se situa em nível recorde. Foram prorrogadas as alíquotas atuais da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido e do Imposto de Renda da Pessoa Física, que se previa que seriam reduzidas, e foi ampliado, de R$ 0,50 para R$ 0,86 por litro de gasolina o teto de cobrança da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico.
A justificativa para a nova investida sobre o bolso dos contribuintes foi a mesma tantas vezes repetida nos últimos anos: a necessidade de reforçar a arrecadação para cumprir a meta de superávit primário.
Não há dúvida de que o cumprimento dessa meta é crucial: disso depende a obtenção de novos créditos do FMI. E estes créditos, em vista do prolongado fechamento do crédito externo privado, continuam imprescindíveis para que o país possa pagar seus compromissos externos.
São compreensíveis, portanto, as razões que levaram a base aliada do futuro governo a apoiar os aumentos de impostos. Mas é incômodo constatar que, sob a pressão dos constrangimentos imediatos, a política econômica continua, na prática, presa ao modelo do governo FHC. Modelo que, por produzir resultados como os retratados pela pesquisa do IBGE, foi criticado por todos os principais candidatos à Presidência.
A conjuntura econômica delicada exige cuidados. Mas o futuro governo não deveria, em nome desses cuidados, deixar de lado o compromisso, assumido na campanha eleitoral, de introduzir modificações no modelo de política econômica.
É preciso alertar, preventivamente, que seria indesejável deixar em compasso de espera, por força das restrições fiscais, a agenda de políticas públicas com horizonte de médio e longo prazo. A sociedade espera do futuro governo soluções criativas para que as políticas voltadas à melhoria da infra-estrutura, ao estímulo ao investimento e ao fomento das exportações efetivamente venham a sair do papel -viabilizando redução sustentada da vulnerabilidade das contas externas e da taxa de juros.


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