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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O vazio e a fúria
SÃO PAULO - Caroline Sustos (sobrenome de guerra) está presa há
mais de 50 dias. Ela integra o grupo
que pichou um dos andares do pavilhão do Ibirapuera na abertura da
Bienal de São Paulo. Aquela que ficou conhecida como Bienal do Vazio virou, enfim, um caso de polícia.
A prisão desta jovem me parece
um exagero absurdo e cruel. Sim, há
a lei. Mas imagine o leitor se os "artistas" da especulação imobiliária
fossem em cana a cada predação do
bem público que patrocinam, não
raro em conluio com o poder público, para construir esta cidade tragicamente horrorosa e desumana.
Isso não redime outros vandalismos, claro que não. As artes da pichação podem fazer sentido como
ritual de grupo, catarse, terapia,
mas o resultado é regressivo social e
esteticamente. Não há nenhum valor artístico associado à transgressão gravada nas paredes sujas. Trata-se, antes, da irrupção em língua
cifrada de um mal-estar pouco digerido na cultura brasileira.
"Nas paredes surgem pichações
monótonas, cuja única mensagem é
o autismo: elas exorcizam o eu que
não mais existe. (...) Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das
coisas em bom estado, o ódio por
tudo o que funciona e que forma um
amálgama indissolúvel com o ódio
por si mesmo", escreveu Hans Magnus Enzensberger no ensaio "Visões da Guerra Civil", de 1993.
Como se viesse confirmar o diagnóstico do alemão, a garota, com a
voz infantilizada, disse o seguinte:
"Eu me identifico com o vazio. Sentia falta de alguma coisa na minha
vida, fazia coisas e nada cobria aquilo. Sentia um buraco. Comecei a pichar, foi tapando aos poucos..."
Entre o vazio existencial da jovem Sustos e o vazio conceitual da
Bienal há menos identificação do
que antagonismo: a fúria da primeira é um impulso desesperado de vida que traz à luz o espírito burocrático e mortificante da segunda.
O templo da arte contemporânea
(a Bienal) faz aqui o papel (ou papelão) de museu do que há de pior na
tradição nacional. Ou esse qüiproquó artístico-policial não é um sinal
das nossas iniqüidades de sempre?
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