São Paulo, quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

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RUY CASTRO

Outras cobaias

RIO DE JANEIRO - A primeira vez que ouvi a frase foi de um jornalista americano da revista "Rolling Stone", em 1980. Num restaurante, no Rio, perguntei-lhe se achava que os grandes drogados sempre começavam pela maconha. Separando os restos de macarrão que se imiscuíam por suas melenas e barbas, ele respondeu: "Alguns começam ainda mais cedo -pelo leite".
Na hora, apenas ponderei e assenti com a cabeça. Bela sacada. Fazia sentido. Claro, todo mundo começa pelo leite. Ah, ha. Não me ocorreu ali que, não importa a origem do leite, materno, de vaca ou em lata, é raro uma criança saltar direto do peito ou da mamadeira para o violento esporte nasal. Afinal, não se vendem drogas em padarias ou supermercados.
Desde então, nunca mais de deixei de ler ou ouvir o argumento do leite. É invocado toda vez que alguém, ao defender a legalização da maconha, tenta desfazer seu estigma de ser uma porta de entrada para as outras drogas. Diz-se que não há comprovação científica -e talvez não haja mesmo.
Que tal, então, uma comprovação estatística? É só pesquisar em instituições sérias de tratamento de dependentes químicos. Conheço bem -e por dentro- algumas delas, no Rio e em São Paulo. Noventa por cento de seus dependentes de cocaína, crack, ecstasy ou comprimidos de venda "controlada" começaram pela maconha. E apenas porque os traficantes com um nome a zelar se orgulham da variedade de seu estoque. Só não vendem leite.
É provável que, pela força de seu lobby e por haver cada vez mais advogados, juristas e juízes entre seus usuários, um dia a maconha seja legalizada indiscriminadamente. Gostaria só que, antes de o Brasil adotar a medida, ela fosse testada, não na Holanda, que é pouco maior que Paquetá, mas em países grandes e com uma saúde pública à altura -EUA, Inglaterra, França. Que eles sejam as cobaias.


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