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TENDÊNCIAS/DEBATES
A relação dos EUA com a América Latina mudou neste primeiro ano de governo Barack Obama?
NÃO
Onde estão as mudanças?
MATTHIAS S. FIFKA
"OS TEMPOS mudaram", disse Barack Obama antes de
embarcar para Cúpula das
Américas, em abril de 2009, indicando sua intenção de reformular a política externa dos EUA em relação à
América Latina. Levando o argumento adiante em seu discurso de abertura, Obama prometeu "um novo começo" e um relacionamento "sem parceiros seniores ou juniores".
Essa promessa de mudança, que tinha sido o tema principal de sua campanha eleitoral, ecoou bem entre os
estadistas latino-americanos, muitos
dos quais haviam ficado profundamente desapontados com oito anos
de Bush e do unilateralismo dos EUA.
Até mesmo políticos como Hugo
Chávez se sentiram inclinados a comentar, após a cúpula, que era "o verdadeiro início de uma nova história".
O povo da América Latina também
nutria altas esperanças no presidente
recém-eleito. No início de 2009, uma
maioria inequívoca de pessoas no Brasil, no México e na Argentina expressava confiança em Obama.
Assim, Obama teve o apoio público
necessário para melhorar as relações
com os vizinhos do Sul e para realizar
algumas das iniciativas que propusera em um plano intitulado "Uma Nova Parceria para as Américas".
Esse plano político consistia em
três elementos principais: fortalecer
a democracia e o Estado de Direito na
América Latina, apoiar os governos
em seu combate ao tráfico de drogas e
a criminalidade organizada e ajudar
na redução da pobreza, da fome e dos problemas de saúde e educação.
Mais especificamente, Obama, por
exemplo, prometeu criar um conselho de segurança comum, melhorar as
relações com Cuba, promover o alívio
da dívida latino-americana, ajudar a
Colômbia a combater os rebeldes das
Farc e colaborar com o Brasil com o comércio e o desenvolvimento de biocombustíveis, como o etanol.
No primeiro ano de governo Obama, a maioria dessas propostas não
saiu do papel. Com a exceção do esforço pouco animado de fechar a prisão de Guantánamo e da redução das
restrições às visitas de cubano-americanos a parentes na ilha e à transferência de remessas de dinheiro a Cuba, Obama não empreendeu nenhuma iniciativa significativa em direção
às mudanças que prometeu.
Em lugar disso, sua trajetória escorregadia no golpe hondurenho e o
acordo fechado com a Colômbia, que
dá aos EUA acesso a sete bases militares e o direito de enviar soldados para
lá, lembram mais a política de seu predecessor que um novo começo.
Poderíamos argumentar, com certeza, que promessas de campanha
quase nunca são cumpridas. Também
se poderia dizer, em defesa de Obama,
que em seu primeiro ano no cargo ele
teve que concentrar sua atenção na
crise econômica, na reforma da saúde e nas guerras no Iraque e Afeganistão.
Essas questões podem, de fato, parecer mais urgentes que reforçar e reformular as relações com a América
Latina, mas, no longo prazo, neglicenciar essas relações terá consequências indesejadas para os EUA.
A maior parte da América Latina
compreende muito bem que o bem-estar econômico de seus países ainda
pode beneficiar-se de relações econômicas positivas com os EUA e que
uma economia americana forte garante a entrada de capitais e um grande mercado para exportações.
Contudo, os EUA também precisam dar-se conta de que a América
Latina -e especialmente o Brasil- já
diversificou seus laços e ampliou suas
relações comerciais com União Europeia, Rússia e China. Sobretudo as últimas duas vêm fazendo bom proveito do interesse declinante na América Latina que tem o rival.
A Rússia concordou em construir
reatores nucleares para a Venezuela e
já entregou a Chávez armas no valor
de mais de US$ 4 bilhões. A China,
desde 2004, já firmou mais de 40
acordos bilaterais com Argentina,
Brasil, Venezuela e Cuba, prevendo
mais de US$ 100 milhões em investimentos chineses até 2014.
Se Obama continuar a fazer pouco
caso da América Latina como fez em
seu primeiro ano no poder, os EUA
correrão o risco de perder um parceiro importante para o futuro, em um mundo cada vez mais competitivo.
MATTHIAS S. FIFKA é professor de economia e política
internacional na Universidade Erlangen-Nuremberg (Alemanha) e vice-diretor do Instituto Germano-Americano.
Tradução de Clara Allain.
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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