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JOSÉ SERRA
Os milagres da comunicação
O maior sucesso do governo Lula
tem sido o fato de que, depois da
eleição, não fez o que se esperava que
fizesse. As elites acolheram com muita
simpatia que o PT deixasse de lado,
sem cerimônia, sua história e seu programa populista. Lembro-me, a propósito, o que ouvi num jantar em
Princeton do presidente do Conselho
de Administração do "Wall Street
Journal": enorme entusiasmo pela
amizade que o novo governo brasileiro demonstrava em relação ao "mercado" e elogios ao programa Fome
Zero, considerado um exemplo para o
Terceiro Mundo.
A menção a esses elogios conduz a
outro sucesso do governo do PT: a publicidade. O melhor exemplo é o próprio Fome Zero. Agora mesmo, uma
dezena de grandes empresas privadas
patrocinaram com entusiasmo a comemoração do aniversário do programa, e o presidente Lula revelou, na
oportunidade, ter realizado um milagre ao lançá-lo.
Um milagre de comunicação, sem
dúvida, pois o Fome Zero não existe
na prática. Mesmo no papel já mudou
várias vezes e ninguém sabe bem o
que é. Em essência, não passa de uma
retranca publicitária que agrupa cerca
de 26 programas sociais, a maioria
vindos do governo Fernando Henrique. Segundo o momento, o governo
pode citar até a velha merenda escolar
e o registro civil gratuito.
Outro sucesso publicitário tem sido
o Bolsa-Família, que, em sua maior
parte, agrega os programas de transferência de renda herdados do governo
passado. A idéia de unificar esses programas já estava começando a ser trabalhada em 2001/02 e, segundo o próprio Lula, foi a ele sugerida pelo governador Marconi Perillo, de Goiás e do
PSDB. Mas não foram acrescentados
recursos adicionais.
Quando fiz essa afirmação aqui na
Folha, o governo contestou no "Painel do Leitor", dizendo que os recursos haviam aumentado 65% no ano
passado. Rebati essa contestação com
números oficiais, mostrando que as
transferências de renda às famílias
pobres diminuíram em termos reais
em 2003. A partir daí o governo silenciou, talvez porque no seu mundo publicitário importe muito menos a realidade do que a imagem, o discurso
emotivo, a comunicação engenhosa.
Outros programas vitais para o
combate à pobreza e a promoção social, como o Programa de Apoio à
Agricultura Familiar, o Reforsus
(obras na saúde) e o Seguro Safra tiveram, até novembro de 2003, uma execução entre 7% e 30% da previsão orçamentária. Nesse mesmo ano, o governo começou a desativar o Programa de Erradicação do Trabalho Infantil (Peti), gastando bem menos do
que estava previsto no Orçamento.
Há tempos o PSDB vem denunciando a tendência de liquidar o Peti.
Diante de matéria publicada pela Folha na semana passada, mostrando a
redução do orçamento do Peti de R$
507 milhões para R$ 100 milhões, entre 2003 e 2004, o governo ensaiou um
recuo e anunciou que R$ 297 milhões
pertencentes a esse programa e que
estão no Bolsa-Família serão devolvidos. Ou seja, ou iam ser desviados para outra coisa ou estavam inflando,
com fins publicitários, as verbas do
Bolsa-Família. E o resto da diferença
(R$ 110 milhões) o governo prometeu
cobrir.
Aguardamos, então, o projeto de lei
ao Congresso, com urgência, pedindo
autorização para as mudanças e detalhando as despesas que, em troca, serão canceladas. Sem esquecer de explicar, na exposição de motivos, tanto
o corte de 80% como a volta da volta
atrás. Recursos de comunicação para
esses esclarecimentos é que não faltam ao governo do PT.
José Serra escreve às segundas-feiras nesta coluna.
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