São Paulo, sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O clima da Terra e a redução das incertezas

LUIZ PINGUELLI ROSA

O relatório do IPCC causou grande impacto, mas muito do que dele consta já tinha sido discutido publicamente. Qual foi, então, a novidade?

A DIVULGAÇÃO em Paris do quarto relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima) causou grande impacto na mídia em todo o mundo. Contudo, muito do que dele consta já tinha sido discutido publicamente. Qual foi, então, a novidade?
Primeiro, a redução da incerteza. A ciência convive com o erro. Uma boa teoria sobre a natureza permite especificar os erros nas previsões. Quase sempre, a certeza é sobre o óbvio, como dizer que amanhã poderá chover ou não. O relevante é quando a meteorologia prevê, por exemplo, que há 90% de probabilidade de chover amanhã. Para chegar a essa conclusão, usam-se modelos matemáticos, com equações da física e informações sobre a atmosfera.
Nas previsões meteorológicas de mais longo prazo, o erro vai aumentando até ficar imenso. Cai-se no terreno da imprevisibilidade dos sistemas caóticos. Por isso a previsão do tempo é sempre de curto prazo.
O clima é mais complicado ainda que a previsão do tempo. Portanto, o consenso na redução da incerteza desarma os céticos e convence governos e empresários.
Em segundo lugar, deu-se maior atenção aos casos extremos, e não só à média no comportamento do sistema climático. Aí se revelam os fenômenos severos, como furacões, chuvas intensas etc.
As conclusões apontam que a intensificação do efeito estufa pela ação humana contribui para anomalias que estão ocorrendo: temperaturas malucas, degelo anormal no Pólo Norte e, no Atlântico Sul, o furacão Catarina que atingiu o Brasil.
Essa foi uma novidade, pois, antes, só se previam os efeitos da mudança do clima para daqui a 50 ou 100 anos, quando os efeitos serão graves, como a perda de parte da floresta amazônica, a desertificação do cerrado nordestino, a elevação do nível do mar em alguns decímetros, a redução da produção de alimentos. O quadro atual alerta para a necessidade de adaptação às novas condições.
As metas do Protocolo de Quito para 2008-2012 não serão suficientes para estabilizar a concentração de CO2 e outros gases na atmosfera, segundo cenários do IPCC que apontam para níveis de emissão elevados.
Há o crescimento do consumo de energia na China, onde se populariza o automóvel, mas os países ocidentais têm consumo per capita muito maior.
Entra aqui uma questão ética, em geral evitada pelo individualismo da globalização de estilo neoliberal. É possível atacar o problema sem mexer nesse padrão de consumo?
Alguns propõem soluções tecnológicas -algumas extravagantes, como satélites com espelhos para refletir a luz solar, outras factíveis, como carros híbridos elétricos, pilhas a combustível, energia eólica e solar ou nuclear, seqüestro do CO2, melhorias na eficiência dos equipamentos etc...
Porém, é necessária a racionalização do uso da energia, como reciclar e fazer uso energético de resíduos, proibir grandes carros ou enormes caminhonetes pesadas de uso pessoal urbano com alto consumo de gasolina, incentivar o álcool nos carros "flex fuel" e estimular o uso do transporte coletivo.
No Brasil, nos choques do petróleo, o uso de carros foi restringido e o carro a álcool foi incentivado. Os trens suburbanos chegaram a transportar 1 milhão de pessoas por dia no Rio, mas hoje transportam apenas 400 mil.
O Brasil tem a vantagem de usar em grande escala álcool combustível, de modo que o CO2 emitido é reabsorvido no crescimento da cana. Usa hidrelétricas, que emitem muito menos gases do que as termelétricas.
Entretanto, a termeletricidade tem crescido demais. O consumo per capita é baixo. O consumo de uma família pobre é quase nada e, portanto, deve aumentar com o Programa de Aceleração do Crescimento, o Luz para
Todos e o Bolsa Família. Enquanto isso, as classes média e alta consomem muito e não devem ficar isentas de obrigações, nem aqui nem no resto do mundo.
A maior parte das emissões brasileiras vem do desmatamento, que representa um pequeno percentual das emissões globais e foi reduzido nos dois últimos anos. Mas ainda há desmatamento ilegal a ser combatido.
Há, entretanto, uma confusão. Deve ficar claro que, se o mundo continuar aumentando suas emissões no ritmo atual, parte da floresta será perdida mesmo que se interrompa hoje o desmatamento.
Não há solução em um só país. A Amazônia será vítima do efeito estufa global. O Brasil, com sua boa articulação diplomática na América do Sul e também com a África do Sul e a Índia, deve propor uma coalizão dentro da Convenção do Clima para acelerar a redução das emissões.


LUIZ PINGUELLI ROSA, 65, físico, é coordenador do Programa de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ (Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudança Climática. Foi presidente da Eletrobrás (2003-04) e autor do terceiro relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima).

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