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VERA GUIMARÃES MARTINS
Gugu, dadá
HOUVE UM tempo em que
governo e oposição eram
cerveja e vinho, dois sabores inconfundíveis, cada qual com
seus adeptos. Era um mundo mais
simples, como são simples os cenários sem muitos matizes. O maniqueísmo era impositivo; em tempos negros é preciso ter lado, dizia-se. Mesmo entre os bebedores de
cerveja, ser ou não ser era a questão; você era Brahma ou Antarctica. Um dia o preto e branco acabou,
houve festa cívica no reino, aleluias, felicidade. Daqui para a frente, tudo ia ser diferente.
Até que foi. No começo a velha
dicotomia ainda podia encontrar
alguma ressonância, havia espaço
para crenças de que "este governo",
os primeiros, "não era bem o que a
gente queria, mas no próximo com
certeza...". Aí veio a "fusion cuisine", misturando hemisférios e quadrantes, juntando jabuticaba e petit gâteau. Veio a Ambev, embatucando quem sempre acreditou que
Brahma e Antarctica eram mundos
incompatíveis. E vieram o PSDB e
o PT, farinhas moídas no mesmo
moinho, mas acomodadas em sacos distintos, já que um só era insuficiente para todo mundo.
Oba!, enfim, a maturidade, o muro caiu (até Carolina viu), e o último baluarte da esquerda chegou ao
governo. Os sonhadores incorrigíveis apostaram que agora o debate
iria ser mais rico, sem cores primárias e mistificações simplificadoras. Dançaram, estamos dançando.
Muita coisa mudou, mas o debate honesto e despido de vícios ideológicos, vital para o país e até então
relegado sob o argumento (questionável) de não reforçar o inimigo
comum, virou suco. Ao contrário,
ressuscitou-se o maniqueísmo
simplório, e interditou-se o debate.
Não há espaço para crítica e discordância, ou você está comigo ou é
um vendido. A política, cada vez
mais irrelevante, instaurou de vez
a lei do "não me entregue ou eu te
deduro". A intelligentsia se engalfinha em discussões ruidosas, de
muito calor e nenhuma luz, voam
insultos e acusações.
A imprensa, culpada eterna, não
podia ficar de fora. Lembra da isenção, aquela utopia cultivada com
carinho? Virou refém da lei do
"uma no cravo, outra na ferradura", ao custo de muitas vezes ter de
ignorar os critérios de hierarquizar
a notícia pela sua importância. Exige-se a democracia caolha, que trata como igual o que é diferente, como revelam painéis de leitor, blogs
políticos e caixas de mensagens.
O povo, a moçada mais ainda, esse caiu na real e foi cuidar da vida.
PS: Este texto já estava engatilhado
antes da publicação das colunas de
ontem de Clóvis Rossi e Nelson
Motta, que tratam de assuntos diferentes, mas navegam na mesma
maré de mal-estar. Talvez seja coletivo. Talvez seja bom sinal. Talvez seja só outra ilusão de que podemos virar adultos.
VERA GUIMARÃES MARTINS é editora de Publicações Especiais da Folha.
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