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MARCOS NOBRE
Holmes e House
QUEM NÃO ESTÁ ligando para o Carnaval talvez tenha
ido ver o filme "Sherlock Holmes". Se foi em busca
de um detetive genial, a decepção
foi grande.
É um filme de ação. O diretor
Guy Ritchie usou esse formato para combater manias mágicas e panteístas que vieram com "Avatar" e
com séries como "Harry Potter" e
"Crepúsculo". Quer mostrar que
por trás da mística suave e sedutora se oculta dominação bruta. Tirou de Holmes a aura intelectual e
lhe deu músculos e força. A lição é
que magia não se combate com
delicadeza.
O problema é que Ritchie acabou
substituindo o misticismo por um
endeusamento da ciência e da tecnologia, sem nenhuma crítica aos
efeitos mistificadores que também
a ciência pode ter. E submeteu o
gênio à lógica da pancadaria.
O tema fundamental do Holmes
da literatura é o de entender o que
é e como funciona o gênio. Como o
gênio é anticonvencional, acompanhar seus raciocínios acaba tendo
o efeito de desnaturalizar ações cotidianas que fazemos maquinalmente. Ao perseguir junto com
Holmes as pistas dos crimes, tornam-se conscientes convenções
sociais que seguimos sem pensar.
No contexto repressivo da Inglaterra da rainha Vitória, naquele final do século 19 em que Conan
Doyle inventou o personagem detetive, não foi pouca coisa.
Para quem procura esse Sherlock Holmes, o melhor é assistir a
um seriado de TV. "House" é um
médico que investiga casos considerados perdidos ou indecifráveis.
Para descobrir o assassino invisível
de seus pacientes, House engana,
manipula, fere, destrói. Parte do
princípio de que todo mundo mente, pacientes em especial. Ignora e
desrespeita o quanto pode as leis e
o código de ética médica. Sua única
e profunda satisfação é provar que
está certo.
House acredita que só se conhece verdadeiramente uma pessoa
em situações extremas. Como as
dos seus pacientes ou as dos médicos que submete a seus jogos de poder. Desse lugar privilegiado de observação, aprende como uma
criança como supostamente funciona o estranho mundo que se diz
adulto. Além de todas essas semelhanças, House também é viciado
em um opiáceo sintético. Holmes
era usuário regular de morfina e de
cocaína.
Claro, não se trata de crimes,
mas de doenças. House é um Sherlock Holmes em ambiente de laboratório, devidamente medicalizado. Ao contrário do Holmes de Ritchie, House manca, usa bengala.
Mas a verdade é que faz bem pouco
sentido procurar qual seria o Sherlock Holmes "autêntico". Mais interessante é saber figurar de maneira inteligente a lógica implícita
das convenções sociais.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras
nesta coluna.
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