São Paulo, quarta-feira, 16 de abril de 2008

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ANTONIO DELFIM NETTO

Pequeno escândalo

QUANDO SE está no governo, há uma enorme dificuldade de aceitar a sua ineficiência.
É curioso ver como os candidatos a cargos executivos a "enxergam" apenas enquanto estão em busca do poder. Tão logo têm sucesso, são atacados por cegueira intransponível e aumentam os impostos para supostamente corrigi-la. Agora ela é vista como produto da falta de recursos, que pode comprometer sua administração virtuosa. A história nacional mostra um processo geológico: mais recurso acaba sempre numa ineficiência de "nível superior" que se acumula sobre a de "nível inferior"...
Cada chefe de Executivo (de prefeito a presidente) antropomorfiza seu cargo. Ele se supõe o próprio Estado e, conseqüentemente, a acusação de ineficiência é introjetada como crítica pessoal. Não consegue aceitar que essa ineficiência não tem dono, não tem origem e, aparentemente, não terá fim. Ela apenas é! Trata-se de um fenômeno quase "natural": uma infecção que o organismo nacional hospeda desde os tempos coloniais e à qual se ajusta sem nunca querer saber quanto lhe custou em termos de dificuldades para a construção de uma sociedade mais desenvolvida e mais equânime. Isso, é claro, não se refere às políticas que melhoram a igualdade de oportunidades dos cidadãos economicamente mais humildes. Estas são necessárias (ainda que não suficientes) para a continuidade de políticas econômicas razoáveis num regime politicamente aberto com sufrágio universal. Mas nem elas podem justificar o desperdício produzido pela ineficiência.
Há crescentes evidências de que o Brasil tem o Estado mais caro do mundo quando se compara o que ele arrecada da sociedade com o volume e a qualidade dos serviços que lhe devolve.
Recentemente, um economista do Ipea acrescentou mais uma demonstração a essa tese. No 20º Seminário de Política Fiscal, realizado no Chile em janeiro deste ano, o senhor Márcio Bruno Ribeiro apresentou um trabalho ("Eficiência do Gasto Público na América Latina") que deve merecer muita atenção. Usando um número enorme de fontes e técnicas de medição sofisticadas, mostrou a triste situação em que se encontra o país nessa matéria.
Quando se compara o "consumo do governo" com o "desempenho do setor público", ocupamos o 16º lugar (o penúltimo, antes da Bolívia) entre os 17 países latino-americanos. E, quando se corrige o ranking por "outras variáveis explicativas", ainda somos o 10º colocado entre eles. Trata-se, obviamente, de um pequeno escândalo.


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ANTONIO DELFIM NETTO
escreve às quartas-feiras nesta coluna.


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