São Paulo, domingo, 16 de maio de 2004

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ANTÔNIO ERMÍRIO DE MORAES

Não à desordem e ao retrocesso!

Já vai muito tempo em que, ainda menino, via muito de realidade nos sonhos de "Alice no País das Maravilhas". Sabia que a narração de Lewis Caroll era pura fantasia. Mas gostava da idéia de ver uma garota entrando pela toca de um coelho, saindo num túnel, voando para todas as partes e fazendo-se minúscula e gigante diante de cada realidade. Para ser franco, a parte que menos apreciava era o acordar da mágica menina e o constatar que o mundo dos mortais está longe dos sonhos curiosos que ela vivia quando dormia, mas que tem a sua própria ordem e modo de ser.
Ao olhar para os acontecimentos de hoje, vêm-me à mente a beleza de um mundo ordeiro e o prazer de ser livre. O homem moderno conseguiu proezas com as quais Alice jamais sonhou -foi à Lua e chegou a Marte-, mas não conseguiu administrar seu egoísmo nem respeitar o próximo. É verdade que guerra é sempre motivo de abusos e de humilhação. Mas jamais poderíamos supor que, em pleno século 21, soldados viessem tratar soldados como se animais fossem. É uma péssima lição para os jovens que, dentro em breve, estarão dirigindo a sociedade moderna.
A conduta dos seres humanos depende basicamente dos exemplos de seus pais, professores e governantes. Quando estes não respeitam os seus semelhantes, eles perdem a moral de pedir que seus filhos venham a respeitá-los. Nessa hora, tudo se confunde e instala-se o predatório clima do "salve-se quem puder".
Internamente, estamos vivendo o mesmo problema. Com raras exceções, nossos governantes não estão se empenhando para fazer os brasileiros viverem como cidadãos, cumprindo com suas obrigações e fazendo-os entender que a cada direito corresponde um dever.
Quando os governantes são lenientes com o desrespeito ao direito de propriedade e até o estimulam, é o começo do fim. Daí para a frente, surge o chamado estado de "anomia", no qual ninguém sabe qual é a norma certa.
É uma pena. Não esperava chegar aos 76 anos para ver a inversão dos valores básicos da nação brasileira. Estavam certos Teixeira Mendes, Miguel Lemos e Décio Villares quando, em 1889, executaram o projeto da bandeira nacional, nela inserindo, de forma muito clara, a idéia de que, sem ordem, não há progresso.
Os tumultos atuais, generalizados no campo e nas cidades, de norte a sul do território nacional, estão levando-nos à estagnação. Invertemos a lição da bandeira. Precisamos, mais do que nunca, combater com todas as nossas forças a desordem e o retrocesso.
Nunca foi tão importante a ação articulada entre os poderes da democracia -o Legislativo para fazer as regras, o Executivo para implementá-las e o Judiciário para preservá-las.
É verdade que a volatilidade da economia globalizada nos afeta muito. Mas, somadas ao desrespeito interno, as incertezas externas nos conduzem a um beco sem saída. Isso não pode acontecer, pois temos como responsabilidade cuidar adequadamente dos 180 milhões de irmãos. Que os poderes públicos venham a agir prontamente para que a esperança volte a brilhar. O Brasil não pode ser derrotado pelos fora-da-lei!


Antônio Ermírio de Moraes escreve aos domingos nesta coluna.


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