São Paulo, segunda-feira, 16 de junho de 2008

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SERGIO COSTA

Do Leme ao Pontal

RIO DE JANEIRO - Milícias? Estou fora. Um amigo querido foi torturado por tentar mostrar com suas lentes como vive uma favela sob domínio paramilitar. Ousado, cascudo, ama atuar na linha de frente da guerra pela informação. Foi parceiro de Tim Lopes, torturado e morto há seis anos. Acompanhou as investigações do crime contra o repórter que virou lenda. Rezou na cova rasa de seu sacrifício. Por pouco não teve o mesmo destino.
É preciso cuidado para falar de milícias. Na rua onde moro atua uma. Solícitos seguranças com coletes onde se lê a inscrição "APOIO". São remunerados por uma vizinhança apavorada com possíveis e iminentes ataques aos seus patrimônios financiados.
Somos todos reféns. Eles, os seguranças, conhecem bem nossos passos, embora a gente já nem os veja mais na correria do dia-a-dia. Sabem quando saímos embolados aos filhos; nos assistem chegar do trabalho ou de festas, indefesos ou meio tontos. Cobram uns caraminguás para isso.
O Rio foi loteado do Leme ao Pontal, para ficar só na orla cantada como rota do paraíso por outro grande Tim: o Maia. No Leme, zona sul, o tráfico encurrala até quartel militar. Dali ao Pontal, zona oeste, os arredores das praias são rateados entre a máfia do pó e o poder paramilitar. Segurança privada nas ruas, poder bélico dos "comandos" nos morros. Quilômetros de gente armada até o [nosso] pescoço.
Entre as duas forças, os contribuintes e a polícia paga por seus impostos -com uma banda podre dividida: naco vende miopia aguda ao crime; parte, nas horas vagas, parcela proteção contra o medo em forma de "APOIO" amarelo. O Rio virou uma seqüência de cidadelas medievais com donos, leis de exceção e taxas próprias. Não dá nem para chamar o síndico. Tim Maia? Tim Lopes? Estão mortos. Não há, no mundo dito civilizado, nada igual.


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