São Paulo, terça-feira, 16 de junho de 2009

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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O terrorismo na agenda brasileira

ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN


Simplesmente afirmar que estamos imunes às ameaças de terrorismo é uma temeridade. Devemos considerar diversos fatores

COM A publicação no "Diário Oficial da União" da portaria 22 do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência da República, que cria o Núcleo de Coordenação das Atividades de Prevenção e Combate ao Terrorismo, um grupo de estudos de alto nível para acompanhar o cenário internacional e avaliar possíveis ameaças de terrorismo, o governo brasileiro dá mostras de avanços significativos em matéria de segurança nacional, notadamente em um assunto que há pouco tempo era considerado um tabu.
Simplesmente afirmar, como alguns, que estamos imunes a esse fenômeno é uma temeridade, pois diversos fatores da conjuntura nacional e internacional têm contribuído para a expansão das redes terroristas, alguns dos quais independentemente da vontade de governos e nações.
Na conjuntura internacional, destacamos a própria globalização econômica e política, o crescimento do comércio internacional de bens e serviços e do transporte internacional de passageiros, o desenvolvimento das redes financeiras mundiais, o aumento da imigração e, consequentemente, de grupos étnicos heterogêneos em diferentes países, o desenvolvimento das redes de comunicações e a transformação das metrópoles em cidades cosmopolitas.
Na conjuntura nacional, existe, particularmente no Brasil, um potencial de ocorrência se considerarmos algumas peculiaridades. Em primeiro lugar, as características geográficas: grandes extensões de fronteiras terrestres dispostas em nove tríplices fronteiras, totalizando aproximadamente 17 mil km e extensão marítima de 8.000 km, com deficiências de recursos humanos, materiais e tecnológicos para o patrulhamento dessas áreas.
Em segundo lugar, o fato de não possuirmos uma legislação específica e tipificação penal para o crime de terrorismo, embora a Constituição Federal o repudie, considerando-o crime inafiançável e insusceptível de graça ou indulto.
Em terceiro lugar, o dinamismo e o caráter transnacional dos crimes considerados conexos ao terrorismo, como o narcotráfico, o tráfico de armas, a falsificação de moeda e de documentos e a lavagem de dinheiro, dentre outros, praticados por organizações criminosas e que dão suporte a ações terroristas.
Por fim, o compartilhamento de fronteiras com países que possuem grupos terroristas ativos, como as Farc (Colômbia) e o Sendero Luminoso (Peru), ambos envolvidos também com o tráfico de drogas e com potencial para infiltração nas favelas brasileiras.
A soma desses fatores inter-relacionados acaba por fortalecer as probabilidades de o país ser, como apontam alguns especialistas, transformado em um atrativo para a criação de redes de proteção internacional para esses criminosos.
Isso facilitaria e estimularia a utilização de nosso território como base para o planejamento de ações e atentados em âmbito global, além da possibilidade de homizio de integrantes de grupos terroristas de diversos matizes -separatistas, nacionalistas, radicais e extremistas.
Também aumenta, seguindo uma tendência que ocorre em países desenvolvidos ou em desenvolvimento, a possibilidade de um ataque virtual ou ciberterrorismo a redes de computadores de empresas privadas e governamentais, principalmente em razão de estarmos cada vez mais dependentes dessas redes nos serviços básicos à população e em estágio avançado de pesquisa e desenvolvimento de tecnologias de ponta em vários campos do conhecimento científico, como na exploração da camada pré-sal e na área de biocombustíveis.
Nesse contexto, a iniciativa do Gabinete de Segurança Institucional só pode ser elogiável, independentemente de saber se a criação do núcleo se deve ao recente episódio da prisão pela Polícia Federal de suposto integrante da rede terrorista Al Qaeda em São Paulo, às repercussões diplomáticas do caso de asilo político a Cesare Battisti, membro de reconhecido grupo terrorista italiano, ou até mesmo às pressões de uma opinião pública atemorizada pelo recrudescimento de atentados em outros países.
O importante é que os interesses nacionais venceram a ideologia e, com essa iniciativa, as autoridades governamentais acabaram por não descartar a hipótese de estarmos no círculo interno de atuação do terrorismo internacional, tese que vem sendo defendida há muito por especialistas e analistas da área de inteligência.


ANDRÉ LUÍS WOLOSZYN, 44, é analista de inteligência estratégica pela Escola Superior de Guerra, especialista em terrorismo pelo Colégio Interamericano de Defesa (EUA) e em ciências penais pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.


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