São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Telefones, contratos e instituições
JOAQUIM FALCÃO
Numa democracia, indivíduos, empresas e governos divergem e conflitam. É saudável e inevitável. O importante é saber como se resolvem as divergências. Importa é que as instituições cumpram suas funções legais, mesmo que diferentes e conflitantes, e que a solução dos conflitos respeite o inciso LIV do art. 5º da Constituição -respeitem o devido processo legal. A questão fundamental deixou de ser quebrar ou não quebrar contratos e passou a ser como executar contratos diante de interpretações conflitantes, respeitando-se o devido processo legal. Na disputa pela interpretação vencedora, todos correm riscos. As empresas de telefonia, quando assinaram os contratos, sabiam que teríamos eleições, conheciam nossos juízes e tribunais. Devem ter avaliado esses riscos. Confiaram em Lula e nos tribunais. O ministro das Comunicações possivelmente sabe que uma defesa apaixonada dos interesses imediatos de seus eleitores pode lhe dificultar a tarefa de médio prazo: mais investimentos e tecnologia para seu setor. Além de transferir o ônus da impopularidade para o resto do governo, especialmente para o ministro Palocci. Os juízes e tribunais, por sua vez, têm de respeitar limites ao interpretar. Leis e contratos são seus referenciais maiores. Se a interpretação for explicitamente política, em favor de uma das partes, o Judiciário perde em credibilidade diante de todas as partes. Perde legitimidade diante dos cidadãos. A função de longo prazo do presidente da Anatel é consolidar a autonomia de sua agência, a dos tribunais é praticar a neutralidade. A avaliação dos riscos inerentes à atual incerteza jurídica é fundamental para que se forjem soluções. O presidente do STJ, por exemplo, optou por uma cearense decisão salomônica. Nem tão pouco como o governo gostaria, nem tanto quanto as empresas pretendiam. Outros caminhos em busca da modicidade começam também a ser imaginados. Por exemplo, o reajuste não faz subir apenas o preço dos serviços de telefonia, faz subir também a arrecadação do ICMS dos Estados. Esta é atrelada àquele. Os governadores podem, sem perda da atual arrecadação, abrir mão e não elevar muito o ICMS. O beneficiário seria o consumidor. Na verdade, existe hoje uma realidade econômica e política que estimula a negociação, e não a quebra de contratos. Os serviços de telefonia são um bem popular inestimável. O celular é instrumento vital da cidadania econômica para as populações de menor renda. Sem celular, quase que não se é. Isso se obteve com a privatização; governo nenhum o faria sozinho. Preservar essa conquista da cidadania implica preservar também empresas de telefonia bem capitalizadas. Um sem o outro inexiste. Para tanto, é preciso que as instituições da democracia -ministérios, agências, juízes, empresas e consumidores-funcionem. Estão funcionando. Pode levar algum tempo. Alguns interesses vão ceder. Dificilmente haverá um grande vencedor. Mas ainda é nossa melhor alternativa. Joaquim Falcão, 59, mestre em direito pela Universidade Harvard (EUA), é diretor da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas - RJ. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Mário Amato: Direitos humanos Índice |
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