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TENDÊNCIAS/DEBATES
No combate ao terrorismo, liberdades individuais podem sofrer restrições?
SIM
Pela democracia e pelo Estado de Direito
ALEXANDRE DE MORAES
A restrição às liberdades individuais, como regra, não deve ser admitida nem tolerada, mas sim combatida por todos aqueles que acreditam na
democracia. A história, porém, exigiu a
adaptação e aplicação de normas constitucionais para situações emergenciais,
bem como a inserção de normas nas
mais modernas constituições (Brasil,
Argentina, Itália, França, Portugal e Espanha), com a previsão de instrumentos excepcionais que permitem essa restrição em casos extremos -como as
guerras externas ou civis e a grave desordem interna (terrorismo, por exemplo)-, desde que a legislação ordinária
se mostre insuficiente para assegurar a
normalidade institucional. Além disso,
é preciso que as medidas de exceção sejam razoáveis e limitem-se ao local e aos
fatos necessários para a resolução dos
conflitos e tenham por finalidade afastar a ameaça concreta e grave à ordem
democrática e ao Estado de Direito.
Essa adaptação consistiu em importante garantia da manutenção do equilíbrio das instituições e da permanência
da democracia. Mesmo em momentos
de grande anormalidade, substituiu a
antiga concentração de poder em uma
única pessoa (ditaduras constitucionais
romanas), que poderia exercê-lo sem
fiscalização nem responsabilidade, pela
necessidade da aprovação dessas medidas excepcionais pelo corpo legislativo
eleito pelo povo (manutenção da democracia) e sob fiscalização do Poder Judiciário (manutenção do Estado de Direito). Como salientado por Cícero, "é preferível um remédio que cure as partes
defeituosas da democracia a um que a
ampute".
A "stewardship theory", de Theodore
Roosevelt, que permitia o exercício de
poderes presidenciais excepcionais em
caso de grave crise, desde que não houvesse expressa vedação constitucional
ou legal, ou seja, sem controle do Congresso Nacional ou do Poder Judiciário,
foi sendo paulatinamente afastada
-como verificamos na Guerra Civil
(1861-1865), quando a Corte Suprema
negou ao presidente o poder de limitar a
liberdade das pessoas sem que houvesse
lei expressa permitindo, ou, ainda,
quando a corte invalidou a assunção do
controle de industria de aço por Truman (Guerra da Coréia), sob a alegação
de segurança nacional.
Ou seja, mesmo a edição de medidas
excepcionais para o combate às mais
graves situações de anormalidade institucional devem respeito às normas democráticas (consulta ao Legislativo) e
ao Estado de Direito (respeito à Constituição e acesso ao Judiciário), buscando
a preservação dos direitos fundamentais postos em perigo por atitudes cruéis
e inesperadas, perpetradas por covardes
atos de terrorismo.
A simples existência de ato normativo, porém, não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito
das liberdades individuais, fazendo-se
mister, ainda, que as restrições sejam
proporcionais e razoáveis, isto é, que sejam adequadas e justificadas pela absoluta necessidade do interesse social.
Esse é o posicionamento da ONU (art.
29), ao afirmar que nenhuma liberdade
individual prevista em sua declaração
poderá ser interpretada no sentido de
conferir a Estados, grupos ou pessoa a
possibilidade de empreender atividades
tendentes ao desrespeito ou supressão
dos direitos fundamentais da coletividade, como ocorre nos insanos atos terroristas. Ou, ainda, a previsão do Pacto
de San José (art. 27), que admite a possibilidade de suspensão de garantias individuais em caso de guerra, de perigo público ou de outra emergência que ameace a independência ou a segurança do
próprio Estado.
A restrição é ato anormal, que demonstra a situação crítica em que se
acha a sociedade e a necessidade de
meios incomuns, porém institucionais,
para o retorno à normalidade, sendo
circunscrita aos princípios da necessidade e da temporariedade.
Mas falar em restrição não significa falar em extinção, não é eliminação, não é
abuso ou arbitrariedade, sendo absolutamente vedada a supressão de todos os
direitos individuais, sob pena de tirania
ou anarquia, pois não há como suprimir, em hipótese alguma, o direito à vida, à dignidade da pessoa humana, à liberdade de consciência e religião, à
honra, ao acesso ao Judiciário, entre outros, pois, na lição de Rui Barbosa, esse
regime é extraordinário, porém não arbitrário, é de exceção, "mas de exceção
circunscrita pelo direito constitucional,
submetida à vigilância das autoridades
constitucionais".
A restrição excepcional de liberdades
individuais exige indiscutível gravidade
das situações emergenciais de crise, como no caso em questão, consistente no
necessário e concreto combate à prática
de brutais atos de terrorismo, e terá como única finalidade a superação da crise e o retorno ao status quo ante. Jamais
o intuito de discriminação fundada em
motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social.
Alexandre de Moraes, 36, professor doutor e livre-docente da USP, leciona direito constitucional, direitos fundamentais e liberdades públicas.
É membro do Conselho Nacional de Justiça e autor, entre outras obras, de "Direitos Humanos
Fundamentais". Foi secretário de Estado da Justiça e da Defesa da Cidadania de São Paulo
(2002-2005).
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