|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ELIANE CANTANHÊDE
"Duas cidades"
BRASÍLIA - ""São duas cidades, como dois exércitos inimigos, uma
diante da outra. Uma cidade fitando
a outra cidade."
Uma é "a cidade de miséria", que
"está diante de nós, aos nossos
olhos, em face à nossa cidade, em
posição de combate".
A outra é "a cidade mais visível,
que contempla a miséria e dorme
confiante do inimigo que cresce".
O alerta, do poeta, editor, jornalista e empresário Augusto Frederico Schmidt, está em "Figuras do
Brasil - 80 Autores em 80 anos de
Folha" (Publifolha), com o título
"As Duas Cidades". É de 1948, quase
60 anos atrás. E deu no que deu.
Uma cidade, a deles, os miseráveis -ou "inimigos que crescem"-,
foi-se ampliando, "em posição de
combate", com as levas de migrantes empurrados pela fome, pela falta de escola, de saúde, de dignidade.
A "outra", a nossa, os que comemos e estudamos, construiu muros,
portões e grades, com seguranças e
cães assassinos.
E chegamos aonde chegamos. Na
cidade deles, os mais espertos viram chefões, comandam o tráfico,
vão para as cadeias e subornam as
autoridades. Na nossa, os mais espertos viram autoridades, estimulam o tráfico, são subornados. E não
vão para as cadeias.
Nessa guerra, tão anunciada e de
motivos tão óbvios, os maus policiais matam inocentes, os bons são
mortos pelos bandidos, com o Estado segurando o desenvolvimento e
os empregos e distribuindo bolsas-esmolas, enquanto o Estado dentro
do Estado se avoluma e comanda a
guerra a partir das cadeias. Com celulares modernos e baterias que se
recarregam misteriosamente para
deflagrar atentados contra policiais, civis, prédios públicos, veículos privados.
Se depois de 60 anos do alerta de
Augusto Frederico Schmidt chegamos a isso, a grande incógnita é: onde estaremos nos próximos 60?
elianec@uol.com.br
Texto Anterior: Madri - Clóvis Rossi: Os anões e os netos Próximo Texto: Rio de Janeiro - Plínio Fraga: São Paulo não pode parar Índice
|