São Paulo, quarta-feira, 16 de julho de 2008

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Editoriais

História das trevas

Governo que se afirma paladino da República no caso Dantas é o mesmo que, em surdina, facilita e conduz fusão de teles

O EX-DEPUTADO Luiz Eduardo Greenhalgh, candidato do Planalto na fatídica eleição de Severino Cavalcanti na Câmara, acaba de descer ao Hades do governo Lula. No mundo das sombras, o advogado vai ter com outras figuras que, como ele, já desfrutaram do prestígio presidencial, mas foram descartadas em nome da preservação do poder.
Greenhalgh, contratado pelo banqueiro Daniel Dantas, pediu um favor ao companheiro Gilberto Carvalho, assessor do presidente da República. Segundo Carvalho, o advogado mostrou-se preocupado com uma perseguição a um de seus clientes; queria saber se o perseguidor, que se dizia agente da Abin, pertencia mesmo ao quadro do Gabinete de Segurança Institucional, ligado à Presidência.
Na tentativa de evitar um seqüestro ou algo assim, Carvalho, sempre de acordo com a sua versão, foi pedir explicações no GSI. Confirmou para Greenhalgh que se tratava de um araponga legítimo. Mais não disse, porém, quando instado pelo advogado a fornecer detalhes da investigação. O cliente em questão era Humberto Braz, preso no domingo, que, segundo a PF, tentou corromper os agentes responsáveis pela Operação Satiagraha com US$ 1 milhão. O assessor de Lula afirma que, à época do favor, não sabia nada sobre Braz.
O advogado Greenhalgh também bateu à porta da ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. Foi recebido quatro vezes desde 2007 -dois desses encontros não constavam da agenda pública da ministra. A assessoria da Casa Civil diz que, quando Greenhalgh tentou transmitir um recado de Dantas, foi logo interrompido por Rousseff, que lhe recomendou que fosse tratar desse tema privado com os sócios do banqueiro na telefonia.
Os fatos narrados assim, da perspectiva do governo, pintam Greenhalgh como um ardiloso lobista a serviço de Dantas. Dilma Rousseff e Gilberto Carvalho são os herdeiros de Catão na defesa do interesse dos cidadãos contra a sanha dos saqueadores da república. É enredo adequado para histórias em quadrinhos, mas inverossímil na vida real.
Em silêncio, afinal, se desenrola nos corredores do governo federal um dos maiores negócios público-privados dos últimos tempos, a compra da Brasil Telecom -da qual Dantas foi controlador- pela Oi. A sintonia escandalosa entre o interesse privado e a ação do governo não poderia ser maior. O Executivo, além de controlar acionistas-chave para o processo (fundos de pensão e BNDES), vai subverter o modelo de concorrência na telefonia para acomodar o fato consumado empresarial.
O arremedo de prestação de contas ensaiado por assessores de Lula deveria ser substituído pela atitude, esta sim republicana, de lançar luz sobre todos os lances desse processo -quer sobre a atuação dos interesses de Dantas no governo, quer sobre a novela maior, a fusão das telefônicas. A história contada das trevas costuma reservar surpresas desagradáveis aos governantes.


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