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ROBERTO MANGABEIRA UNGER
Deve o presidente ser impedido?
Há dois preconceitos a afastar. O
primeiro preconceito é que impedimento equivale a golpe. No presidencialismo, a perspectiva de derrotar
o presidente em eleição subseqüente
não basta para responsabilizá-lo. A faculdade de impedi-lo serve de contrapeso ao perigo que de ele abuse da
oportunidade para favorecer os amigos, desfavorecer os adversários e
confundir negócio com governo. Sem
esse contrapeso, cai o regime em sorvedouro de negocismo e de intimidação. Inevitável que a oposição clame
mais forte pelo uso do contrapeso.
Impedimento presidencial, porém,
não é plebiscito informal; é escudo da
integridade do regime.
O segundo preconceito é que basta
comprovar crime de responsabilidade
do presidente para justificar seu impedimento. Não basta: o juízo também
tem de ser de conveniência, mas num
sentido que subordine as pequenas
conveniências e que pense grande pelo país.
Ainda não são suficientes os elementos para concluir que o presidente
haja incorrido em crimes de responsabilidade contra "o livre exercício do
Poder Legislativo", "o exercício dos
direitos políticos" (especialmente o
direito de voto), "a probidade na administração" e "o cumprimento das
leis". Falta pouco, porém, para que sejam suficientes. Há indícios fragmentários de que ele se envolveu, diretamente ou por meio de agentes, em tratativas com grandes interesses privados em troca de financiamentos políticos ilegais. E que radicalizou em entendimento bruto das regras do jogo,
justamente quando a nação, nisso estimulada por sua pregação, começava
a cobrar maior rigor ético de seus
mandatários. Por isso, não vale a desculpa de que outros também fizeram.
Numa democracia mais enraizada
do que a nossa, haveria razões para
não reivindicar o impedimento, a começar pela proximidade das eleições
de 2006. Entre nós, contudo, tais razões abrem espaço para o estadismo
maroto que vê na manutenção do presidente o mal menor: por não se confiar no sucessor, ou por não se querer
incomodar os "mercados", aliados, no
incômodo, aos movimentos sociais
aparelhados.
No Brasil de agora, duas conveniências republicanas sobrepõem-se a todas as conveniências politiqueiras:
responsabilizar os políticos, afirmando o primado inflexível da lei (não
conquistamos ainda o direito à flexibilidade confiável). E evitar que a sucessão presidencial degenere em luta sobre o passado, em vez de tornar-se luta sobre o futuro.
Confirmados os indícios de que o
presidente haja cometido crimes de
responsabilidade, deve o Congresso
acelerar seu impedimento. Se o presidente e o vice-presidente forem impedidos juntos, deve o Congresso, expurgado dos que se alugaram ao governo, eleger novo presidente da República para completar o mandato,
como manda a Constituição. O Congresso demonstrará sabedoria e grandeza se eleger, nesse caso, um cidadão
fora de seus quadros: um jurista sereno, com autoridade moral e afinado
com os compromissos em nome dos
quais se elegera o presidente impedido -como o dr. Fábio Konder Comparato-, que presidirá, como magistrado, as eleições de 2006. Com isso,
afastará o Congresso a sombra do golpismo e da usurpação. Em seguida,
deve voltar-se a nação, sem medo e
sem rancor, com o espírito inspirado
pela reafirmação do ideário republicano, para a escolha de novo rumo e de
novos líderes.
Roberto Mangabeira Unger escreve às terças-feiras nesta coluna.
www.law.harvard.edu
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