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30 dias para trair
Com "fidelidade" que prevê um mês por biênio para trocas de partido à vontade, deputados caçoam dos cidadãos
OS DEPUTADOS federais
brasileiros acabam de
deixar mais uma marca na história universal do despautério político. Não é
todo dia que se consegue produzir algo como a janela bianual de
30 dias franqueando o troca-troca partidário.
A invenção brotou na noite de
anteontem, na votação de um
projeto de lei complementar de
autoria de Luciano Castro (PR-RR). Na sua origem, o texto tornava inelegíveis por quatro anos,
contados a partir da diplomação,
políticos que trocassem de legenda no decurso do mandato.
Até aí, tudo ótimo. Tratava-se
de versão de um mecanismo inteligente -similar ao que o Senado aprovara havia seis anos- para induzir à fidelidade partidária
sem, no entanto, lançar mão de
medidas drásticas como a cassação do mandato. Mas, na passagem pela Comissão de Constituição e Justiça, a proposta foi corrompida e transformada num
dispositivo patético.
No projeto aprovado com o voto de 292 parlamentares, a fidelidade partidária vigora por 23
meses em cada período de dois
anos. Ao longo desse tempo, o
político que mudar de sigla não
só fica inelegível por quatro anos
como pode ter o mandato cassado, mediante ação de seu partido
de origem na Justiça Eleitoral.
Os deputados, contudo, ofereceram um período de graça a si
mesmos. A fidelidade fica suspensa em todo setembro que
preceder um ano eleitoral: quem
trocar de legenda enquanto essa
janela estiver aberta não poderá
ser punido. O espírito dos festejos carnavalescos, quando a ordem vigente é suspensa temporariamente, invadirá a política
nacional nesses 30 dias caso o
Senado e o presidente da República cometam a sandice de confirmar o projeto da Câmara.
A titularidade do mandato, que
era do partido, volta a ser de pleno gozo do político nesse breve
período, para logo depois retornar à agremiação. A absoluta incoerência da medida revela o
grau de cinismo a que pode chegar a maioria dos deputados na
tentativa de preservar seus interesses mesquinhos. Afirmar que
alguma fidelidade partidária foi
instalada com o projeto é ofender a inteligência dos eleitores.
Se a janela para trair tornar-se
lei, a vontade das urnas continuará a ser desrespeitada a troco
de negociatas, emendas, cargos e
migalhas de poder -exatamente
como acontece hoje. A única diferença é que os movimentos ficarão concentrados no tempo e
tomarão a forma de manadas
anunciando a primavera.
A Câmara produziu um monstro legislativo na tentativa de ludibriar a opinião pública -e de
fazer passar uma "anistia prévia"
ao troca-troca de legendas após a
manifestação do TSE de que
considera o partido, e não o político, o titular do mandato. Vai-se
confirmando, para a infelicidade
e o atraso da nação, o prognóstico de que os atuais legisladores
serão incapazes de conduzir uma
reforma política que atenda aos
anseios da sociedade.
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