São Paulo, quinta-feira, 16 de agosto de 2007

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KENNETH MAXWELL

Dólares como papel de parede

É SURPREENDENTE que o capitalismo tenha necessidade de inimigos externos. Os de dentro são sempre os mais perigosos. Quando as inevitáveis crises cíclicas do sistema ocorrem, as causas são quase sempre as mesmas. Os especuladores exageram, violam as leis mínimas de segurança e transparência do mercado, herdadas da crise anterior, e inventam uma nova ilusão que promete expansão constante e lucros perpétuos, o que não demora a convencer os investidores.
Desta vez, a situação envolvia o talento dos corretores de títulos imobiliários para extrair dos norte-americanos médios o dinheiro representado pelo seu único grande ativo, suas casas, transformando os instrumentos hipotecários em papéis especulativos negociados em pacotes mutáveis e revendidos vezes sem conta, a preços inflacionados, para investidores que muitas vezes usavam dinheiro emprestado para bancar essas transações.
A maneira mais desavergonhada de divulgar esse tipo de transação foi uma série de comerciais, veiculados em todas as estações locais de TV norte-americanas, nos quais as pessoas removiam o papel de parede de suas casas e, ao fazê-lo, viam que ele se havia transformado em notas de dólar. Muita gente caiu na trapaça. A proposta permitia que as pessoas tomassem empréstimos balizados pelo valor de suas casas, usando o dinheiro assim obtido para consumo. Esse foi um dos principais elementos de sustentação do boom de consumo dos EUA.
O esquema inteiro repousava, evidentemente, sobre a percepção de que os valores das casas continuariam a subir para sempre. Mas o preço de sua implementação prática é que milhões de famílias entregaram o valor de suas casas a especuladores desconhecidos, em um mercado de alta instabilidade.
O que embasava a idéia era o mais velho truque do capitalismo, sem grande diferença das múltiplas bolhas procedentes, já que tudo dependia, em última análise, de que as pessoas continuassem a acreditar que os ativos que serviam de base à pirâmide tinham valor real, e não ilusório. Mas os valores dos imóveis deixaram de subir, e em algumas áreas estão em queda livre. Será que a crise atual causará a queda do capitalismo? Provavelmente não. As conseqüências políticas, no entanto, podem ser mais difíceis de conter, especialmente em temporada de eleições. Os Estados Unidos são, há muito, uma democracia de proprietários. Essa foi sempre a sua maior força.
Transformar papel de parede em dólares nas casas médias dos norte-americanos pode não ter sido uma idéia tão inteligente quanto parecia na época em que foi concebida.


KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras nesta coluna.

Tradução de PAULO MIGLIACCI


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