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KENNETH MAXWELL
Dólares como papel de parede
É SURPREENDENTE que o capitalismo tenha necessidade
de inimigos externos. Os de
dentro são sempre os mais perigosos. Quando as inevitáveis crises
cíclicas do sistema ocorrem, as
causas são quase sempre as mesmas. Os especuladores exageram,
violam as leis mínimas de segurança e transparência do mercado,
herdadas da crise anterior, e inventam uma nova ilusão que promete
expansão constante e lucros perpétuos, o que não demora a convencer os investidores.
Desta vez, a situação envolvia o
talento dos corretores de títulos
imobiliários para extrair dos norte-americanos médios o dinheiro
representado pelo seu único grande ativo, suas casas, transformando
os instrumentos hipotecários em
papéis especulativos negociados
em pacotes mutáveis e revendidos
vezes sem conta, a preços inflacionados, para investidores que muitas vezes usavam dinheiro emprestado para bancar essas transações.
A maneira mais desavergonhada
de divulgar esse tipo de transação
foi uma série de comerciais, veiculados em todas as estações locais de
TV norte-americanas, nos quais as
pessoas removiam o papel de parede de suas casas e, ao fazê-lo, viam
que ele se havia transformado em
notas de dólar. Muita gente caiu na
trapaça. A proposta permitia que
as pessoas tomassem empréstimos
balizados pelo valor de suas casas,
usando o dinheiro assim obtido para consumo. Esse foi um dos principais elementos de sustentação do
boom de consumo dos EUA.
O esquema inteiro repousava,
evidentemente, sobre a percepção
de que os valores das casas continuariam a subir para sempre. Mas
o preço de sua implementação prática é que milhões de famílias entregaram o valor de suas casas a especuladores desconhecidos, em
um mercado de alta instabilidade.
O que embasava a idéia era o mais
velho truque do capitalismo, sem
grande diferença das múltiplas bolhas procedentes, já que tudo dependia, em última análise, de que
as pessoas continuassem a acreditar que os ativos que serviam de base à pirâmide tinham valor real, e
não ilusório. Mas os valores dos
imóveis deixaram de subir, e em algumas áreas estão em queda livre.
Será que a crise atual causará a
queda do capitalismo? Provavelmente não. As conseqüências políticas, no entanto, podem ser mais
difíceis de conter, especialmente
em temporada de eleições. Os Estados Unidos são, há muito, uma
democracia de proprietários. Essa
foi sempre a sua maior força.
Transformar papel de parede em
dólares nas casas médias dos
norte-americanos pode não ter sido uma idéia tão inteligente quanto parecia na época em que foi
concebida.
KENNETH MAXWELL escreve às quintas-feiras
nesta coluna.
Tradução de PAULO MIGLIACCI
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