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Quando os engraxates opinam
ROBERTO MUYLAERT
Claro que um jornalista não tem obrigação de conhecer todos os temas. O que se pede é que filtre notícias contraditórias, escandalosas
O JORNALISMO televisivo,
quando envereda pelos acidentes de aviação, costuma
produzir coberturas inadequadas,
cheias de impropriedades, a partir de
notícias apressadas e não apuradas.
Claro que um jornalista da editoria
geral não tem obrigação de conhecer
todos os temas. O que se pede é que
use o senso comum para filtrar notícias contraditórias, escandalosas ou
sem sentido em benefício da sua
audiência.
Embora a imprensa escrita também cometa abusos, a TV acaba por
ter primazia no desserviço, não apenas por ser instantânea mas também
porque repórteres e âncoras têm bastante tempo ao vivo para elaborar teses e conclusões duvidosas em cima
das mesmas imagens e vinhetas repetidas "ad nauseam", transformando
um único acidente em diversos.
E, para o grande público, que só ouve falar de avião quando estatelado no
chão, trata-se de um aparelho fadado
à tragédia.
É espantoso que, à semelhança das
empresas aéreas, não haja um gabinete de crise em cada TV, cuja função seria prestar esclarecimentos as suas vítimas, no caso, os telespectadores: um
grupo especializado em aviação, que
saiba comentar esses temas sem falar
bobagem e com compaixão por quem
está sofrendo.
À falta dos especialistas, surgem as
propostas da hora, vindas de leigos e
autoridades que pretendem resolver
os problemas -gerados por sucessivos governos- no tempo de uma entrevista na televisão.
Joe Kennedy sacou seus investimentos de Wall Street, pouco antes
do crash de 1929, quando constatou
que os engraxates estavam sugerindo
a compra de determinadas ações.
No Brasil de hoje, os engraxates
opinam sobre pinagem ou não de um
reverso do A320.
As informações veiculadas sem
preocupação ética geram um clima de
terror na população, nas famílias das
vítimas e nos próprios aeroviários, o
que pode colocar em risco o promissor e necessário avanço da aviação comercial brasileira, em que a queda na
venda de passagens aéreas parece ser
da ordem de 30%. São centenas de
milhares de passageiros que evaporaram, muitos em busca das rodovias.
Decorrência, em parte, dessa demanda, cresceu o número dos acidentes rodoviários: no último mês, 686
pessoas morreram nas estradas federais, mais do que o triplo do número
de vítimas de Congonhas.
Não houve escândalo, pois o sensacionalismo só se aplica ao setor aéreo:
o editor não costuma se deslocar até o
local do acidente rodoviário para contar o drama das famílias vitimadas.
Desastres de veículos terrestres não
dão Ibope.
Mas, em se tratando de espaço aéreo, até Suas Excelências, membros
de uma açodada CPI do Congresso,
escancaram o assunto ante as câmeras, chegando ao despudor de revelar
o conteúdo das caixas-pretas à revelia
dos especialistas -o que nem os engraxates que dissertam sobre pinagem fariam se fossem congressistas.
Uma menina de cinco anos, que
ainda não sabe ler, mas conhece logotipos, fez um escândalo, prestes a entrar numa aeronave, ao vislumbrar
bem de perto a marca de uma companhia: "Nessa não quero ir", choramingou para a mãe. Um impasse só contornado pelo atencioso comandante
do avião, que a levou até a cabine antes da decolagem.
Claro que a imprevidência das autoridades ao longo dos anos é a principal causa do chamado caos aéreo.
Mas
uma cobertura televisiva responsável
e não sensacionalista seria útil para
esclarecer a população amedrontada
numa hora tão difícil para quem vive
em São Paulo -ou em Londres, a julgar por um texto da última "Economist", sob o título "Os Horríveis Aeroportos Britânicos".
Segundo a revista, o "Daily Telegraph" considerou a utilização do
principal aeroporto da ilha "mais estressante do que ser atacado por um
assaltante com uma faca na mão". No
mesmo artigo, Ken Livingstone, prefeito de Londres, acusou Heathrow de
manter passageiros como "prisioneiros", o que acaba por situá-lo nos últimos lugares nas pesquisas com usuários, que somam 67 milhões de passageiros/ano, contra 45 milhões previstos no projeto. Para complicar,
Heathrow foi comprado no ano passado pelo grupo Ferrovial, espanhol, e
já se duvida de que os necessários investimentos em novas pistas e terminais sejam realizados.
Patriotas reclamam que "uma parte
essencial da infra-estrutura nacional
foi vendida para uma empresa estrangeira". Para completar, a Town and
Country Planning Association considera ter sido uma catástrofe planejada a construção desse espaço vital na
periferia da cidade e reivindica um
novo aeroporto, em "algum lugar com
mais espaço".
ROBERTO MUYLAERT, 72, jornalista, foi presidente da
TV Cultura de São Paulo de 1986 a 1995 e ministro-chefe
da Secretaria de Comunicação Social (governo FHC).
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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