São Paulo, quinta-feira, 16 de setembro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Por uma escola de paz

JORGE WERTHEIN

Cerca de 6.000 crianças e jovens de escolas públicas de São Paulo se reuniram no ginásio do Ibirapuera, no dia 23 passado, para celebrar um ato pela paz. Naquele mesmo dia, a estudante Daniele Silva Leite, de 18 anos, foi assassinada a tiros no pátio da escola onde estudava, no Jardim Ângela, em São Paulo, por quatro homens encapuzados que invadiram o espaço escolar. Três meses antes, na cidade de Planaltina, no Distrito Federal, Cássia de Fátima de Souza, de 17 anos, fora morta a facadas por uma colega de 16 anos na hora do recreio. Casos como os de Daniele e Cássia revelam as proporções alarmantes da violência e servem como alerta de que muito ainda precisa ser feito para construir uma cultura de paz e não-violência no ambiente escolar e na sociedade brasileira.
O assassinato de jovens em espaços escolares, onde deveriam estar protegidos da violência, traz grandes preocupações e importantes reflexões para dirigentes escolares, professores, alunos, pais, especialistas da área de educação e a própria mídia. Por que nossas escolas deixaram de ser um lugar de proteção e acolhimento? Por que está havendo tamanha banalização da violência, envolvendo conflitos nas relações interpessoais, roubos, furtos, agressões físicas e até homicídios, entre os alunos? Por que a escola, espaço privilegiado para aprendizagem, inclusão social e convivência das diversidades, vem sendo acometida pelas mais variadas modalidades de violência, preconceito e discriminação?
Pesquisas realizadas pela Unesco para mapear a violência nas escolas indicam caminhos que ajudam a identificar as principais causas e conseqüências dos conflitos ocorridos no espaço escolar. A falta de segurança é certamente um dos motivos que mais favorecem a ocorrência de agressões graves e até mortes entre alunos.


Por que está havendo tamanha banalização da violência entre os alunos?


Conforme dados preliminares da Pesquisa de Vitimização nas Escolas 2003, realizada pela Unesco em escolas da rede pública de cinco capitais (Belém, Salvador, Porto Alegre, Rio de Janeiro e São Paulo), 83,4% dos alunos entrevistados afirmam que existe violência na escola; 69,4% dizem que ocorrem furtos no ambiente escolar; e cerca de 37% alegam terem sido vítimas de furto uma ou mais vezes. Além disso, 21,7% dizem já ter visto canivetes no ambiente escolar e 12,1%, revólveres.
Como combater a violência e aumentar a segurança no ambiente escolar? Uma das medidas apontadas seria a presença da Polícia Militar nos estabelecimentos de ensino. Pesquisas realizadas em vários países demonstram, no entanto, que isso tem feito com que os professores se eximam da responsabilidade de supervisionar e de interagir com os alunos, sobretudo em situações de conflito. Isso faz com que se distanciem cada vez mais dos estudantes, o que contribui para que os atos violentos não sejam resolvidos e até sejam potencializados.
É imprescindível que as escolas ofereçam ações educativas, preventivas e de promoção da paz, que ajudem a melhorar a auto-estima dos alunos e a aumentar o envolvimento dos professores e da comunidade. Crianças e jovens precisam voltar a enxergar a escola como um local agradável de aprendizado e de troca de experiências que os leve ao sucesso na vida adulta. Os pais e as comunidades deveriam ter de novo o sentimento de pertencimento e de identidade com a escola. Assim, o espaço escolar voltaria a ser visto como um "porto seguro" a ser preservado, constituindo-se em fonte de esperança dos jovens por um futuro melhor.
A abertura de escolas nos finais de semana para a comunidade, com atividades de cultura, lazer e esporte -criada por meio do Programa Abrindo Espaços, lançado em 2000 pela Unesco-, demonstra ter forte impacto positivo no resgate da imagem da escola, na melhoria da qualidade do aprendizado de crianças e jovens e na redução da violência no espaço escolar e no seu entorno. O Programa Escola da Família, realizado em parceria com a Secretaria de Educação de São Paulo, atraiu 51 milhões de paulistas às 5.306 escolas que fazem parte dele. De janeiro a maio de 2004, a incidência de atos violentos contra a pessoa (homicídios e brigas entre alunos) e contra o patrimônio (pichações e depredações) caiu 15% em relação ao mesmo período do ano passado. Pelo seu sucesso, o programa de abertura das escolas aos sábados e domingos está sendo adotado pelo governo federal em uma estratégia nacional.
Por meio de uma parceria da Unesco com os ministérios da Educação, do Trabalho e Emprego, da Cultura e do Esporte, será desenvolvido, a partir de outubro, o Escola Aberta, começando por 200 escolas públicas.
É com a união de esforços em prol de uma escola de qualidade, que reúna comunidade escolar, governo e sociedade, que o Brasil conseguirá superar as deficiências na educação, construir ambientes escolares mais pacíficos e promover uma cultura de paz que ajude o país no seu desenvolvimento.

Jorge Werthein, 62, sociólogo, doutor em educação pela Universidade Stanford (Estados Unidos), é representante, no Brasil, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura).


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