São Paulo, sábado, 16 de setembro de 2006

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A eleição presidencial já está decidida?

SIM

Os ineditismos de Lula

FÁBIO WANDERLEY REIS

A RESPOSTA "sim" à pergunta da Folha é atrevida. Se o "não" pretender apenas que as coisas podem mudar, sem aderir à afirmação de que, apesar dos indícios favoráveis a Lula, algum dos outros candidatos efetivamente ganhará a eleição, a resposta estará certa com qualquer resultado e conterá, portanto, pouca informação, tendendo à tautologia: ou ganha um ou ganha outro... Já o "sim" pretende que os indícios são bons, ou seja, consistentes com o que se sabe de maneira mais geral sobre o processo político-eleitoral, e, como se pede da boa análise, é afirmativo o bastante para estar errado, expõe-se ao erro ao dizer com clareza: ganha Lula.
Provavelmente o principal tema dos debates relativos ao processo eleitoral brasileiro diz respeito à suposta "volatilidade" do eleitor. Embora aponte com insistência os erros envolvidos na idealização do eleitorado popular e a relevância política das deficiências intelectuais que nosso legado de desigualdade lhe impõe, tenho introduzido matizes contrários à idéia de um eleitor "volátil", sem mais. Naturalmente, o eleitor pode mostrar-se consistente, em vez de volátil, por boas ou más razões: seja porque, conforme certo modelo ideal, ele avalia sofisticadamente, com riqueza de informações e talvez com perspectiva de tempo mais ampla, as opções que o jogo político-eleitoral lhe oferece; seja, diferentemente, porque percebe de maneira mais ou menos míope certas vantagens que poderia auferir ou simplesmente se orienta por vagas afinidades em que se confrontam categorias como gente pobre e gente rica. O componente realista dessa perspectiva me levou a entrever, na trajetória em que Lula e o PT chegaram à Presidência, um possível desfecho politicamente positivo, em que a combinação do fator "populista" de identificação popular contido na figura de Lula com o ineditismo do esforço de construção institucional em torno de idéias e princípios que o PT prometia representar permitia contar com a estabilização institucionalmente sadia da participação política popular.
É altamente duvidoso que o PT possa juntar os cacos em que se transformou sua promessa após a desastrada passagem do partido pelo governo. Mas o lulismo, que contém seu próprio ineditismo, aí está, forte como nunca, provavelmente como conseqüência, em boa parte, do reforço do simbolismo popular da figura de Lula pelo mero fato de exercer a Presidência da República junto, naturalmente, com as bondades sociais, que, como as ironias menos ou mais rombudas ou feias esquecem, são fatalmente parte, afinal, daquilo que se acha em jogo no processo político-eleitoral. De qualquer modo, provavelmente nunca o latente jogo singelo de pobres contra ricos ganhou tanta consistência nesse processo, como evidenciado, nas pesquisas atuais, com a forte correlação entre a intenção de voto em Lula ou Alckmin e a posição socioeconômica dos eleitores. E a imagem popular de Lula parece blindada, depois de algumas aparentes vacilações iniciais, contra as denúncias que atingiram o partido e apequenaram a liderança do chefe, com boas razões, a olhos mais exigentes (ou, em certos casos, mais hostis desde o começo).
Claro, é possível jogar com aspectos diversos das informações disponíveis. Quem sabe a correlação voto-classe social se intensifique, polarizando socialmente ainda mais o enfrentamento e deslocando para Alckmin parte substancial do apoio com que Lula ainda conta na classe média e nos de maior renda e educação? Ou quem sabe dê-se o súbito e extenso despertar da "consciência ideológica" de contingentes expressivos do eleitorado popular, que, mesmo sem nunca terem sido o ponto de apoio eleitoralmente relevante do próprio PT original, talvez resolvam agora apoiar Heloísa Helena? Quem sabe os pobres e os nordestinos errem seus votos?
Creio que aí haja mais torcida oposicionista do que análise, distorcendo o significado da polarização e envolvendo expectativas pouco esclarecidas quanto ao papel do fator educação no jogo eleitoral. Cravo a aposta: sim, vence Lula. E fico à espera dos fatos que corroborem um "não" capaz de escapar à banalidade.


FÁBIO WANDERLEY REIS,68, cientista político, doutor pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

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