|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
TENDÊNCIAS/DEBATES
A eleição presidencial já está decidida?
SIM
Os ineditismos de Lula
FÁBIO WANDERLEY REIS
A RESPOSTA "sim" à pergunta
da Folha é atrevida. Se o "não"
pretender apenas que as coisas
podem mudar, sem aderir à afirmação de que, apesar dos indícios favoráveis a Lula, algum dos outros candidatos efetivamente ganhará a eleição,
a resposta estará certa com qualquer
resultado e conterá, portanto, pouca
informação, tendendo à tautologia:
ou ganha um ou ganha outro... Já o
"sim" pretende que os indícios são
bons, ou seja, consistentes com o que
se sabe de maneira mais geral sobre o
processo político-eleitoral, e, como se
pede da boa análise, é afirmativo o
bastante para estar errado, expõe-se
ao erro ao dizer com clareza: ganha
Lula.
Provavelmente o principal tema
dos debates relativos ao processo
eleitoral brasileiro diz respeito à suposta "volatilidade" do eleitor. Embora aponte com insistência os erros
envolvidos na idealização do eleitorado popular e a relevância política das
deficiências intelectuais que nosso
legado de desigualdade lhe impõe, tenho introduzido matizes contrários à
idéia de um eleitor "volátil", sem
mais. Naturalmente, o eleitor pode
mostrar-se consistente, em vez de volátil, por boas ou más razões: seja porque, conforme certo modelo ideal, ele
avalia sofisticadamente, com riqueza
de informações e talvez com perspectiva de tempo mais ampla, as opções
que o jogo político-eleitoral lhe oferece; seja, diferentemente, porque percebe de maneira mais ou menos míope certas vantagens que poderia auferir ou simplesmente se orienta por
vagas afinidades em que se confrontam categorias como gente pobre e
gente rica. O componente realista
dessa perspectiva me levou a entrever, na trajetória em que Lula e o PT
chegaram à Presidência, um possível
desfecho politicamente positivo, em
que a combinação do fator "populista" de identificação popular contido
na figura de Lula com o ineditismo do
esforço de construção institucional
em torno de idéias e princípios que o
PT prometia representar permitia
contar com a estabilização institucionalmente sadia da participação política popular.
É altamente duvidoso que o PT
possa juntar os cacos em que se
transformou sua promessa após a desastrada passagem do partido pelo
governo. Mas o lulismo, que contém
seu próprio ineditismo, aí está, forte
como nunca, provavelmente como
conseqüência, em boa parte, do reforço do simbolismo popular da figura
de Lula pelo mero fato de exercer a
Presidência da República junto, naturalmente, com as bondades sociais,
que, como as ironias menos ou mais
rombudas ou feias esquecem, são fatalmente parte, afinal, daquilo que se
acha em jogo no processo político-eleitoral. De qualquer modo, provavelmente nunca o latente jogo singelo de pobres contra ricos ganhou tanta consistência nesse processo, como
evidenciado, nas pesquisas atuais,
com a forte correlação entre a intenção de voto em Lula ou Alckmin e a
posição socioeconômica dos eleitores. E a imagem popular de Lula parece blindada, depois de algumas aparentes vacilações iniciais, contra as
denúncias que atingiram o partido e
apequenaram a liderança do chefe,
com boas razões, a olhos mais exigentes (ou, em certos casos, mais hostis
desde o começo).
Claro, é possível jogar com aspectos diversos das informações disponíveis. Quem sabe a correlação voto-classe social se intensifique, polarizando socialmente ainda mais o enfrentamento e deslocando para Alckmin parte substancial do apoio com
que Lula ainda conta na classe média
e nos de maior renda e educação? Ou
quem sabe dê-se o súbito e extenso
despertar da "consciência ideológica"
de contingentes expressivos do eleitorado popular, que, mesmo sem
nunca terem sido o ponto de apoio
eleitoralmente relevante do próprio
PT original, talvez resolvam agora
apoiar Heloísa Helena? Quem sabe os
pobres e os nordestinos errem seus
votos?
Creio que aí haja mais torcida oposicionista do que análise, distorcendo
o significado da polarização e envolvendo expectativas pouco esclarecidas quanto ao papel do fator educação no jogo eleitoral. Cravo a aposta:
sim, vence Lula. E fico à espera dos
fatos que corroborem um "não" capaz de escapar à banalidade.
FÁBIO WANDERLEY REIS,68, cientista político, doutor
pela Universidade Harvard (EUA), é professor emérito da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).
Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Roberto Romano: Da soberba e outros pecados Próximo Texto: Painel do Leitor Índice
|