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MARCOS NOBRE
Deixem a Bolívia em paz
NÃO HÁ NADA mais humilhante para um país do que
não ser levado a sério. É o
que está acontecendo com a
Bolívia.
A Argentina passou recentemente por mais de quatro meses de crise grave, com seguidos episódios de
bloqueios de estradas, desabastecimento e confrontos físicos inclusive. E ninguém pediu reunião internacional de emergência nem resolveu enviar tropas. A presidente
Cristina Kirchner aceitou a derrota no Congresso e recuou. Como
faz qualquer governo democrático.
A crise boliviana é certamente
mais grave do que foi a argentina.
Mas o que chama a atenção é que
ninguém ouve o que o governo boliviano tem a dizer. E o presidente
Evo Morales não se cansa de dizer
que não quer e que não precisa de
ajuda.
Precisar de ajuda significaria
aceitar que há de fato uma situação
de descontrole. Significaria aceitar,
em última instância, que não há
mais um governo capaz de negociar um acordo para pôr fim aos
confrontos. Evo Morales entende
que sua autoridade se perderia
inteiramente.
A reunião de emergência da recém-criada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi um equívoco. A começar pelo local em que
foi realizada. Por melhores que sejam as intenções da presidente do
Chile (e da Unasul), Michelle Bachelet, seu país não é o lugar mais
apropriado para uma discussão sobre a estabilidade interna da Bolívia, que tem com o Chile, desde o
final do século 19, um contencioso
territorial importante, não obstante as boas relações diplomáticas
que mantêm os dois países na
atualidade.
Foi um mau começo para a Unasul, principalmente porque foi puro paternalismo: cuidar do irmãozinho que não sabe se cuidar sozinho. Mais que isso, deu palanque
para as estrepolias de Hugo Chávez. Se algo pode e deve ser feito
pela Unasul é justamente convencer o presidente venezuelano a
respeitar a Bolívia.
Antes da reunião da Unasul, as
forças de oposição a Morales já haviam sinalizado claramente a sua
intenção de não provocar uma escalada nos conflitos, principalmente depois do choque provocado pelas mortes. É também assim
que se deve entender a declaração
de Morales de que as mortes foram
provocadas por pistoleiros brasileiros e peruanos: não atribuí-las
aos opositores mostra claramente
o seu desejo de manter um clima
favorável para as negociações.
A Bolívia sabe cometer seus erros sozinha. Despachar o embaixador dos EUA, por exemplo. Foi
uma das infantilidades mais despropositadas dos últimos tempos.
Mas nenhum país que preze a democracia tem a ganhar com propostas intervencionistas.
nobre.a2@uol.com.br
MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta
coluna.
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