São Paulo, terça-feira, 16 de setembro de 2008

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MARCOS NOBRE

Deixem a Bolívia em paz

NÃO HÁ NADA mais humilhante para um país do que não ser levado a sério. É o que está acontecendo com a Bolívia.
A Argentina passou recentemente por mais de quatro meses de crise grave, com seguidos episódios de bloqueios de estradas, desabastecimento e confrontos físicos inclusive. E ninguém pediu reunião internacional de emergência nem resolveu enviar tropas. A presidente Cristina Kirchner aceitou a derrota no Congresso e recuou. Como faz qualquer governo democrático.
A crise boliviana é certamente mais grave do que foi a argentina.
Mas o que chama a atenção é que ninguém ouve o que o governo boliviano tem a dizer. E o presidente Evo Morales não se cansa de dizer que não quer e que não precisa de ajuda.
Precisar de ajuda significaria aceitar que há de fato uma situação de descontrole. Significaria aceitar, em última instância, que não há mais um governo capaz de negociar um acordo para pôr fim aos confrontos. Evo Morales entende que sua autoridade se perderia inteiramente.
A reunião de emergência da recém-criada União de Nações Sul-Americanas (Unasul) foi um equívoco. A começar pelo local em que foi realizada. Por melhores que sejam as intenções da presidente do Chile (e da Unasul), Michelle Bachelet, seu país não é o lugar mais apropriado para uma discussão sobre a estabilidade interna da Bolívia, que tem com o Chile, desde o final do século 19, um contencioso territorial importante, não obstante as boas relações diplomáticas que mantêm os dois países na atualidade.
Foi um mau começo para a Unasul, principalmente porque foi puro paternalismo: cuidar do irmãozinho que não sabe se cuidar sozinho. Mais que isso, deu palanque para as estrepolias de Hugo Chávez. Se algo pode e deve ser feito pela Unasul é justamente convencer o presidente venezuelano a respeitar a Bolívia.
Antes da reunião da Unasul, as forças de oposição a Morales já haviam sinalizado claramente a sua intenção de não provocar uma escalada nos conflitos, principalmente depois do choque provocado pelas mortes. É também assim que se deve entender a declaração de Morales de que as mortes foram provocadas por pistoleiros brasileiros e peruanos: não atribuí-las aos opositores mostra claramente o seu desejo de manter um clima favorável para as negociações.
A Bolívia sabe cometer seus erros sozinha. Despachar o embaixador dos EUA, por exemplo. Foi uma das infantilidades mais despropositadas dos últimos tempos. Mas nenhum país que preze a democracia tem a ganhar com propostas intervencionistas.

nobre.a2@uol.com.br


MARCOS NOBRE escreve às terças-feiras nesta coluna.


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