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JOSÉ SARNEY
Mestiços, graças a Deus
EM 1985, QUANDO falei como
presidente nas Nações Unidas, tive uma pequena divergência com o Itamaraty. Eu mesmo
trabalhara o meu discurso e tinha
escrito: "Malsinado o homem que
tiver vergonha de pensar na terra
sem a companhia de Deus" e "o
Brasil é um grande país mestiço
que se orgulha de sua identidade".
Eles me advertiram que a referência a Deus não era diplomática,
uma vez que a ONU era uma instituição laica e tinha países de vários
credos ou mesmo ateus ou agnósticos. A outra observação era que eu
não podia falar em país mestiço.
Não era de bom tom.
Recusei as duas observações e
mantive meu texto. Sobre ser mestiço, ressaltei que várias das mais
altas expressões criadoras da nossa
cultura provieram da mescla racial,
da mútua fertilização das etnias.
Citei Machado, o Aleijadinho, gênio do barroco, e Villa-Lobos, incorporado à música universal. E
quanto o Brasil deve, na sua cultura
popular, ao gênio negro e ao espírito ameríndio.
Agora, lendo os novos dados do
IBGE, vejo que o número de pardos, negros e índios passou o de
brancos. O sonho racista do século
19 do branqueamento da população cede ao forte sangue da miscigenação, cada vez mais presente no
brasileiro.
Isso faz com que a discriminação
racial, que aqui é crime, e não só
ilegítima, não tenha campo para
expansão em nosso país. Relembro
Gilberto Amado, que, como argumento de que no Brasil não havia
discriminação, invocava um motivo semântico: aqui o mais carinhoso tratamento que se podia fazer a
uma mulher era chamá-la de minha neguinha.
O IBGE diz que a população brasileira hoje possui 48,4% (menos
de metade) de brancos, 43,8% de
pardos, 6,8% de negros e 0,9% de
índios. Estes números revelam que
cada vez mais construímos uma
identidade própria e ultrapassamos a polêmica do passado entre
os sociólogos, principalmente
aqueles que nos julgavam vítimas
de aspectos negativos das "raças
inferiores".
É bom lembrar que Darwin, em
"A Descendência do Homem",
após analisar a grande quantidade
de classificação de raças, dizia que
estas não eram um conceito biológico, e sim sociológico.
O IBGE traz mais notícias boas,
como a diminuição da pobreza, onde milhões de brasileiros deixaram
a faixa da miséria. E já entramos na
modernidade em nossas casas,
com 1/4 delas conectadas à internet e 18 milhões já possuindo
computador.
O Brasil alcançou um novo patamar internacional, e no mundo já
foi o tempo de sermos chamados
de cucarachos. Foi assim que li em
Juan Arias que o brasileiro se distingue de todos pela sua "vocação
inata à felicidade". É a nossa alegria. E veio da África. Vamos esquecer o empate com a Venezuela.
JOSÉ SARNEY escreve às sextas-feiras nesta coluna.
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