São Paulo, domingo, 16 de outubro de 2011 |
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Editoriais editoriais@uol.com.br Ainda atual Passados 40 anos de sua estreia, o filme "Laranja Mecânica", de Stanley Kubrick, certamente perdeu muito da capacidade de chocar. Cenas de violência consideradas quase insuportáveis em 1971 hoje pertencem ao cotidiano visual do público pré-adolescente. Nem por esse motivo "Laranja Mecânica", que volta aos cinemas em versão restaurada, perdeu sua atualidade. Baseada num romance distópico de Anthony Burgess (1917-1993), a história da gangue de adolescentes liderada por Alex (Malcolm McDowell) não se limitava a enunciar com especial vivacidade, e certo humor esportivo e negro, o problema da violência juvenil gratuita. Problematizava-se, também, o modo de extirpá-lo. Na sociedade ultratecnológica imaginada pelo filme, formas tradicionais de prevenção do crime, como reformatórios e prisões, já tinham sua ineficácia reconhecida. Em tese, nada haveria de especialmente abusivo no tratamento experimental a que Alex é submetido, depois das agressões bárbaras que comete. Na melhor tradição da psicologia behaviorista, ele é condicionado quimicamente a manifestar reações de repugnância física a qualquer violência. Por acaso, o tratamento elimina também da mente de Alex o que ele possuía, talvez, de melhor: um gosto autêntico pela música de Beethoven. Na metáfora do filme, coloca-se a opção extrema: ao extinguir-se de um ser humano toda sua capacidade de fazer o mal, não se estaria também extinguindo o seu livre-arbítrio e, com isso, sua própria humanidade? Hoje, a questão renasce em outros termos. Não mais se trata das perspectivas, afinal limitadas, das técnicas de condicionamento psicológico, mas, sim, das pesquisas em torno de novos medicamentos psiquiátricos e da própria subsistência da ideia do livre-arbítrio diante dos avanços da genética. Dificilmente uma questão metafísica e moral mais ampla pode ser respondida nos termos de uma pesquisa científica -e vice-versa: dificilmente uma descoberta científica poderá resolver contradições arraigadas na natureza humana. A desumanização do homem, entretanto, era (e é) o que de mais assustador se pode reconhecer no comportamento de Alex. Da mesma síndrome poderia ser acusado o cientista responsável por seu tratamento, e a sociedade que produziu a ambos. Precisamente isto é o que faz de "Laranja Mecânica" um filme tão atual quanto há 40 anos. Texto Anterior: Editoriais: Faz diferença Próximo Texto: São Paulo - Hélio Schwartsman: Procissão da alegria Índice | Comunicar Erros |
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