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Revolta
Depende do empenho dos cidadãos a tarefa de reconduzir o Legislativo a seu verdadeiro papel numa democracia
SERIA POUCO chamar de
"indignadas" as reações
da opinião pública diante
do aumento de 91% nos
salários de deputados federais e
senadores, aprovado na quinta
por lideranças do Congresso.
A sensação de revolta se mistura à de impotência. A decisão infame suscita veementes protestos; mas cada protesto vem como
que acompanhado da admissão
implícita de que, no fundo, talvez
seja inócuo protestar.
Satisfaz-se, por certo, a necessidade do desabafo; mas a maioria dos deputados e senadores dá
provas freqüentes de menosprezo às reações dos cidadãos que
estas já parecem constar apenas
como um pormenor secundário
e passageiro no cálculo político.
Não inibem quase mais ninguém, quando estão em pauta as
enormidades do banquete.
Nada mais ilustrativo desse estado de espírito do que a fraseologia empregada pelo senador
José Agripino para qualificar os
efeitos na opinião pública do
atentado com que compactuou.
Numa ponderação memorável
pelo sangue-frio, o líder do PFL
admitiu que a repercussão da
medida poderia ser -frise-se o
termo- "desinteressante". Tratava-se de "uma decisão coletiva"; inoportuna, talvez, mas que
se prontificou em "respeitar".
"Desinteressante"? Levemente incômoda, vagamente embaraçosa, quem sabe? Talvez o adjetivo tenha revelado involuntariamente o sentido mais profundo da frase: a repercussão seria
"desinteressante" porque, afinal,
a maioria dos parlamentares não
se interessa minimamente pelo
que diz e pensa o cidadão.
É provável que se tenha chegado a um ponto em que todo escândalo se torna "desinteressante". Uma sucessão de abusos, de
atos de cinismo, de celebrações
da impunidade, de absolvições à
delinqüência, tornou rotineiras
as mais acerbas condenações da
opinião pública, reduzidas a um
imperceptível rumor de fundo
quando chegam aos escrachados
salões de baile do Congresso.
À sociedade brasileira têm faltado, na verdade, disposição e
instrumentos organizacionais
para reagir com mais eficácia aos
assaltos promovidos por aqueles
que se dizem seus representantes. Atos de mobilização coletiva,
da passeata ao buzinaço, do boicote ao abaixo-assinado, são ainda pouco freqüentes no Brasil.
Se o Legislativo, com todos os
seus vexames, é insubstituível no
sistema democrático, também se
mostra indispensável o empenho ativo dos cidadãos para fiscalizá-lo e pressioná-lo. Toda
instituição pública, entregue a si
mesma, cede rapidamente ao
corporativismo e ao desmando.
É bem mais do que isso o que se
registra no Congresso brasileiro:
foco insubmisso do escândalo, da
afronta e do deboche, depende
do empenho de cada cidadão a
tarefa de reconduzi-lo a seu real
papel numa democracia.
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