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TENDÊNCIAS/DEBATES
É bem-vinda a Lei do Esporte?
NÃO
Falta gente na mesa
YACOFF SARKOVAS
NESTA SEMANA, a imprensa divulgou uma imagem inusitada. Personalidades artísticas e
esportivas do país, sentadas lado a lado, disputando dedução fiscal do Imposto de Renda das empresas para
suas áreas. Cada grupo se defendia
destacando os benefícios sociais de
sua atividade.
É inegável que cultura e esporte são
de interesse da sociedade. Mas a
questão central, propositadamente,
passou ao largo dos holofotes: o modelo de financiamento público por
dedução fiscal é insustentável econômica e socialmente.
Vamos imaginar que os médicos
também reivindiquem lugar à mesa
para investir um naco do imposto na
saúde pública, a seu critério; os educadores, para manter abertas escolas
públicas; as empresas de transporte,
para criar estradas exclusivas; e -por
que não?-, cada cidadão, para reter
outro tanto do imposto para montar
seu próprio esquema de segurança.
Quem sabe, até fazer justiça com as
próprias mãos.
Antes que a mesa estivesse cheia,
não haveria mais imposto a recolher.
Por conseqüência, poderíamos suprimir o Estado e dispensar os governos.
Tomar posse de recursos públicos
sem contrapartida e destiná-los por
critérios individuais e privados é um
ato anti-republicano. Desinformados
e iludidos pela justa perspectiva de
injetar recursos no seu campo de atividade, atletas cometem o mesmo erro histórico dos artistas: lutam para
propagar o câncer do incentivo fiscal,
em vez de exigir políticas e fundos de
financiamento direto do Estado, regidos por critérios técnicos e públicos.
Esse modelo do incentivo fiscal,
único no mundo, foi criado pela Lei
Sarney, em 1986 -substituída pela
Lei Rouanet por Collor, em 1991-,
ampliado com a Lei do Audiovisual
por Itamar, em 1993, e replicado por
municípios e Estados via dedução no
ISS, IPTU e ICMS. As leis de incentivo mobilizarão, neste ano, cerca de
R$ 1 bilhão. Recursos públicos que financiam somente a parcela da produção cultural que desperta o interesse
das empresas.
A dedução fiscal gera produção cultural porque distribui dinheiro, mas
não é lógica nem justa. É uma forma
prática de obter recursos sem enfrentar disputas no Orçamento. Nada tem
a ver com patrocínio ou investimento
privado de verdade. Empresas promovem ações sociais, ambientais,
culturais, esportivas, de entretenimento e comportamento por serem
uma estratégia eficaz, saudável e rentável de valorizar marcas e fortalecer
relacionamentos. Por isso, em todo
mundo, investem seus próprios recursos de marketing e comunicação.
No Brasil, a Lei do Audiovisual permite dedução integral no imposto a
pagar e, ainda, o abatimento como
despesa, reduzindo o imposto acima
do valor aplicado. O resultado é um
ganho real de mais de 130% ao "investidor", sem risco. Espectadores-cidadãos não se dão conta de que as marcas que aparecem na abertura dos filmes brasileiros são de empresas que
ganham dinheiro público para fingir
que são investidoras culturais e decidir que aquele filme, e não outro, deva
ser produzido.
Longe dos holofotes, esse mecanismo perdulário está sendo ampliado,
no Congresso, em regime de urgência,
pelo projeto de lei nš 7.193/2006, enquanto o público se entretém com a
disputa artistas versus atletas.
A Lei do Audiovisual contaminou
outras leis de incentivo fiscal, a começar pela Lei Rouanet, que, desde 1997,
permite 100% de dedução, como agora ocorrerá com a Lei do Esporte.
Importante saber: em outros países, incentivo fiscal é somente lançar
as contribuições à cultura como despesa na declaração de renda. Ou seja,
é poder doar dinheiro do próprio bolso sem ter de pagar imposto por isso.
É certo que o Estado brasileiro consome 50% do PIB, e pouco do que devolve tem valor reconhecido pela sociedade; é compreensível que os brasileiros desconfiem que os nossos governos sejam regidos pela corrupção.
Mas não corrigiremos mazelas históricas subtraindo recursos e responsabilidade públicas para distribuí-las a
interesses privados.
Melhor seria lutar para reduzir a
carga tributária, para benefício da sociedade civil, e ajudar a construir um
Estado mais eficaz, com capacidade
de formular e implementar políticas
públicas, financiando diretamente as
ações por princípios republicanos.
YACOFF SARKOVAS, 52, especialista em atitudes de
marca, é diretor-geral da Significa e da Articultura.
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