São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Além da CPMF

Depois da derrota do governo no Senado, o debate da reforma tributária pode avançar em bases mais sólidas

RUIM PARA a economia, bom para as instituições políticas? Seria demasiado simplista resumir assim o saldo da rejeição, pelo Senado Federal, da emenda que prorrogava a CPMF. São muitas as variáveis em jogo, e incertos, ainda, os desdobramentos concretos da decisão.
Do ponto de vista econômico, o fim do chamado imposto do cheque tende a produzir efeitos em larga medida ilusórios sobre a vida do contribuinte. Não há como supor que o governo possa compensar no curto prazo a perda de R$ 40 bilhões por meio de uma redução de gastos equivalente.
Ainda que se intensifiquem as pressões para a diminuição da máquina estatal, o que é positivo, os ajustes emergenciais virão pelo caminho costumeiro. A saber, novos aumentos de impostos, com efeitos talvez mais perversos do que os ocasionados pela própria CPMF.
Fortalece-se, entretanto, o peso institucional do Legislativo. Quem acompanhou, pela TV Senado, os vivos e circunstanciados debates da noite de quarta-feira passada terá, sem dúvida, nuançado aquela permanente impressão de despreparo, parasitismo e desfaçatez que, com motivos de sobra, associa-se ao comportamento parlamentar.
Numa questão polêmica e relevante, o Executivo teve de confrontar-se com limites reais à sua capacidade de dobrar as vontades do Congresso. O recurso a apadrinhamentos e liberações de verbas, de resto fartamente utilizado, bem ou mal se revelou insuficiente para resolver um impasse que, nestes dias, atraiu crescente vigilância do eleitor.
Um padrão alternativo de negociação, distante da fisiologia de sempre, foi ao mesmo tempo esboçado. Propuseram-se -é certo que em meio a sinais patentes de inabilidade e arrogância por parte do Planalto- modificações substantivas na emenda, na tentativa de aprová-la. Um diálogo às claras, ainda que truncado, disputou espaço com as gestões menos confessáveis de que usualmente se ocupam os políticos nesse tipo de ocasião.
Talvez a partir daí se possa superar a cisão entre o que houve de progresso institucional e de leviandade econômica no desfecho do episódio. O fim da CPMF surgiu como oportunidade "in extremis" para a oposição demonstrar alguma força política, bem como para adotar a bandeira da redução da carga tributária como ponto fundamental de seu discurso. Para além das trêfegas conveniências de identidade partidária de uns, e do paquidérmico apetite arrecadatório de outros, o debate de todo modo avançou.
Vitoriosos e vencidos agora disputam que versão dos fatos haverá de prevalecer na opinião pública: se foi feita justiça ao contribuinte ou se foi punido o cidadão de baixa renda.
Colocado nesses termos, o dilema é apenas retórico. Uma real reforma tributária pode ao mesmo tempo reduzir a carga fiscal e corrigir sua iniqüidade do ponto de vista distributivo. Encerrada a refrega da CPMF, o país parece emergir um pouco mais maduro para essa discussão.


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