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Solução de conflitos no Mercosul
JOÃO GRANDINO RODAS
Um sistema de resolução das dissensões de natureza comercial e industrial célere e previsível resultará no fortalecimento do Mercosul
O SUCESSO da experiência mais
que cinqüentenária do Mercado Comum Europeu/União
Européia deve-se, em alto grau, à
existência de mecanismo de solução
de conflitos adequadamente formulado e utilizado inteligentemente pelas
partes e pelos órgãos judicantes. Certamente essa receita, com as devidas
adaptações, contribuiria fundamentalmente para alavancar o Mercosul.
O grande desafio que temos hoje
pela frente no Cone Sul reside em dar
verdadeiro acesso ao sistema de solução de controvérsias às pessoas e às
empresas, hoje praticamente inexistente. A abertura da jurisdição às forças econômicas do bloco muito contribuiria para que um número crescente de problemas fosse resolvido
em bases jurídicas e rapidamente, em
razão dos prazos exíguos fixados em
2002, com a adoção do Protocolo de
Olivos, e que vêm sendo religiosamente cumpridos.
Um sistema de resolução das dissensões de natureza comercial e industrial célere e previsível certamente resultará no fortalecimento do
Mercosul. Outro importante avanço
depende unicamente de as supremas
cortes dos países-membros reunirem
vontade política para terminar regulamentação há mais de dois anos iniciada. São regras, a maioria delas de
cunho procedimental, que orientarão
os juízes dos países do bloco na solicitação de opinião consultiva ao TPR
(Tribunal Permanente de Revisão).
Embora já tenha esse tribunal exarado opiniões consultivas, a disseminação dessa prática só se dará após a
devida regulamentação. A importância das opiniões consultivas é dúplice:
1) como mais de 90% das divergências relativas à aplicação de normas
internacionais são resolvidas por juízes ou tribunais nacionais, é indispensável, para o bom funcionamento
do bloco econômico, que haja um
grau mínimo de interpretação uniforme, a ser dada, no seio do Mercosul,
pelo TPR;
2) no atual estágio normativo, é por
meio dessa opinião que o TPR poderá
exarar interpretações em tese sobre
normas do bloco aplicáveis a pessoas
ou empresas, que posteriormente seriam aplicadas no caso concreto pelo
juiz nacional.
Para entender melhor o quadro que
se apresenta, é imprescindível conhecer, em linhas básicas, sua recente
evolução.
O Tratado de Assunção, que criou o
Mercosul, foi parcimonioso relativamente à solução de conflitos. Logo depois, o assunto veio a ser objeto do
Protocolo de Brasília para a Solução
de Controvérsias, que, em suma, adotou o procedimento arbitral para
quando nem as negociações diretas
nem a intervenção do Grupo Mercado Comum (órgão da cúpula da organização) conseguissem resolver a
questão. O protocolo é menos efetivo
no que tange à reclamação de pessoas
físicas ou empresas particulares, que
depende de aceitação da respectiva
seção nacional para poder ser examinada pelo Grupo Mercado Comum.
Em 1994, quando se cuidou da estruturação institucional do Mercosul,
muito se esperou que se formulasse
robusto sistema de solução de controvérsias. Daí a decepção havida quando o Protocolo de Ouro Preto se limitou a manter o sistema adotado pelo
Protocolo de Brasília, apenas acenando com um sistema permanente.
Essa previsão cumprir-se-ia com a
adoção do Protocolo de Olivos, quando se chegou ao atual estágio. Em largos traços, esse protocolo manteve o
procedimento arbitral estatuído anteriormente para a solução de controvérsias entre Estados, mas abriu a
possibilidade de recurso ao novel
TPR. Se os Estados preferirem, podem apresentar a contenda diretamente ao tribunal, que o julgará em
instância única.
A grande novidade, contudo, reside
em permitir a qualquer juiz dos países-membros requerer opinião consultiva ao TPR quando as causas em
julgamento dependerem de interpretação de normativa do Mercosul.
A solução de conflitos entre Estados, de figurino arbitral, embora satisfatória, poderia evoluir para uma
solução judicial propriamente dita.
Atenderia a uma antiga aspiração e,
ao mesmo tempo, possibilitaria a
criação de real jurisprudência, implicando maior previsibilidade e segurança jurídica.
Com relação às pessoas físicas e às
empresas, a solução de reclamações
passa, sucessivamente, por consultas
entre as seções nacionais do Grupo
Mercado Comum dos Estados em que
haja a contenda, pela intervenção do
próprio Grupo Mercado Comum, pelo exame e parecer por especialistas, o
que é nitidamente insatisfatório.
JOÃO GRANDINO RODAS, 62, desembargador federal
aposentado, é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e diretor da Faculdade de Direito da USP. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de
Defesa Econômica).
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