São Paulo, domingo, 16 de dezembro de 2007

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Solução de conflitos no Mercosul

JOÃO GRANDINO RODAS

Um sistema de resolução das dissensões de natureza comercial e industrial célere e previsível resultará no fortalecimento do Mercosul

O SUCESSO da experiência mais que cinqüentenária do Mercado Comum Europeu/União Européia deve-se, em alto grau, à existência de mecanismo de solução de conflitos adequadamente formulado e utilizado inteligentemente pelas partes e pelos órgãos judicantes. Certamente essa receita, com as devidas adaptações, contribuiria fundamentalmente para alavancar o Mercosul.
O grande desafio que temos hoje pela frente no Cone Sul reside em dar verdadeiro acesso ao sistema de solução de controvérsias às pessoas e às empresas, hoje praticamente inexistente. A abertura da jurisdição às forças econômicas do bloco muito contribuiria para que um número crescente de problemas fosse resolvido em bases jurídicas e rapidamente, em razão dos prazos exíguos fixados em 2002, com a adoção do Protocolo de Olivos, e que vêm sendo religiosamente cumpridos.
Um sistema de resolução das dissensões de natureza comercial e industrial célere e previsível certamente resultará no fortalecimento do Mercosul. Outro importante avanço depende unicamente de as supremas cortes dos países-membros reunirem vontade política para terminar regulamentação há mais de dois anos iniciada. São regras, a maioria delas de cunho procedimental, que orientarão os juízes dos países do bloco na solicitação de opinião consultiva ao TPR (Tribunal Permanente de Revisão).
Embora já tenha esse tribunal exarado opiniões consultivas, a disseminação dessa prática só se dará após a devida regulamentação. A importância das opiniões consultivas é dúplice:
1) como mais de 90% das divergências relativas à aplicação de normas internacionais são resolvidas por juízes ou tribunais nacionais, é indispensável, para o bom funcionamento do bloco econômico, que haja um grau mínimo de interpretação uniforme, a ser dada, no seio do Mercosul, pelo TPR;
2) no atual estágio normativo, é por meio dessa opinião que o TPR poderá exarar interpretações em tese sobre normas do bloco aplicáveis a pessoas ou empresas, que posteriormente seriam aplicadas no caso concreto pelo juiz nacional.
Para entender melhor o quadro que se apresenta, é imprescindível conhecer, em linhas básicas, sua recente evolução.
O Tratado de Assunção, que criou o Mercosul, foi parcimonioso relativamente à solução de conflitos. Logo depois, o assunto veio a ser objeto do Protocolo de Brasília para a Solução de Controvérsias, que, em suma, adotou o procedimento arbitral para quando nem as negociações diretas nem a intervenção do Grupo Mercado Comum (órgão da cúpula da organização) conseguissem resolver a questão. O protocolo é menos efetivo no que tange à reclamação de pessoas físicas ou empresas particulares, que depende de aceitação da respectiva seção nacional para poder ser examinada pelo Grupo Mercado Comum.
Em 1994, quando se cuidou da estruturação institucional do Mercosul, muito se esperou que se formulasse robusto sistema de solução de controvérsias. Daí a decepção havida quando o Protocolo de Ouro Preto se limitou a manter o sistema adotado pelo Protocolo de Brasília, apenas acenando com um sistema permanente.
Essa previsão cumprir-se-ia com a adoção do Protocolo de Olivos, quando se chegou ao atual estágio. Em largos traços, esse protocolo manteve o procedimento arbitral estatuído anteriormente para a solução de controvérsias entre Estados, mas abriu a possibilidade de recurso ao novel TPR. Se os Estados preferirem, podem apresentar a contenda diretamente ao tribunal, que o julgará em instância única.
A grande novidade, contudo, reside em permitir a qualquer juiz dos países-membros requerer opinião consultiva ao TPR quando as causas em julgamento dependerem de interpretação de normativa do Mercosul.
A solução de conflitos entre Estados, de figurino arbitral, embora satisfatória, poderia evoluir para uma solução judicial propriamente dita.
Atenderia a uma antiga aspiração e, ao mesmo tempo, possibilitaria a criação de real jurisprudência, implicando maior previsibilidade e segurança jurídica.
Com relação às pessoas físicas e às empresas, a solução de reclamações passa, sucessivamente, por consultas entre as seções nacionais do Grupo Mercado Comum dos Estados em que haja a contenda, pela intervenção do próprio Grupo Mercado Comum, pelo exame e parecer por especialistas, o que é nitidamente insatisfatório.


JOÃO GRANDINO RODAS, 62, desembargador federal aposentado, é presidente do Tribunal Permanente de Revisão do Mercosul e diretor da Faculdade de Direito da USP. Foi presidente do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica).

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