São Paulo, terça-feira, 16 de dezembro de 2008

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Editoriais

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Volta o criacionismo

NO BRASIL como em outros países, observa-se uma crescente pressão de determinadas comunidades religiosas para aumentar a influência sobre o ensino. A face mais visível da investida está na reivindicação de que a mal denominada "teoria" criacionista seja ministrada lado a lado com a teoria da evolução por seleção natural.
Sob o argumento de que Charles Darwin (1809-1882) não explicou tudo sobre o mundo natural e por isso sua teoria não teria comprovação definitiva, defende-se o ensino da alternativa: uma inteligência superior teria criado o mundo com todas as espécies conhecidas.
Há poucos conjuntos de proposições sobre a natureza que encontram tanta corroboração em fatos quanto a teoria da evolução. Sua versão conhecida como Síntese Moderna agregou as descobertas da genética à matriz do pensamento darwiniano e se encontra na raiz do enorme desenvolvimento das ciências biológicas durante o século 20.
Ao criacionismo falta apoio empírico minimamente comparável. Apesar disso, alguns estabelecimentos brasileiros com orientação religiosa ensinam a criação divina até em aulas de biologia, física e química.
A justificativa está numa noção de pluralismo que não tem cabimento no ensino de ciências. A obrigação do professor dessas disciplinas é apresentar a seus alunos o conhecimento mais atual e seguro, com apoio em observações e medições.
É um equívoco atribuir o mesmo status a coisas tão díspares. De um lado, uma teoria aperfeiçoada e corroborada ao longo de 150 anos de estudos; de outro, uma narrativa religiosa, apoiada sobre a autoridade bíblica e recusada pela maioria dos cientistas.
O equívoco maior, contudo, é não restringir o ensino do criacionismo às aulas de religião, permitindo que seja ministrado em ciências. Essa atitude solapa, na formação das crianças, os fundamentos do método científico.
Apontar a incongruência entre criacionismo e ciência, no entanto, é o máximo que o poder público tem a fazer nesses casos. Se a opção dos pais, consciente, recair sobre uma escola religiosa privada que ministre o criacionismo, inclusive em ciências, essa é uma esfera de decisão imune à intervenção do Estado.


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